“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

“Porque é que o homem do Ocidente quer sofrer essa paixão que o fere e que toda a sua razão condena? Porque é que quer esse amor cujo fulgor não pode ser senão o seu suicídio?"


“Porque é que o homem do Ocidente quer sofrer essa paixão que o fere e que toda a sua razão condena? Porque é que quer esse amor cujo fulgor não pode ser senão o seu suicídio? É porque ele se conhece e se põe à prova sob a acção de ameaças vitais, no sofrimento e no limiar da morte. O terceiro acto do drama de Wagner [Tristão e Isolda] descreve bem mais que uma catástrofe romanesca: descreve a catástrofe essencial do nosso génio sádico, esse gosto reprimido da morte, esse gosto de se saber no limite, esse gosto da colisão reveladora que é, sem dúvida, a mais inextirpável das raízes do instinto de guerra em nós”

- Denis de Rougemont, O Amor e o Ocidente, Lisboa, Moraes Editores, 1968, p.44.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Uma das expressões mais infelizes das línguas humanas é a de "fazer amor"

Uma das expressões mais infelizes das línguas humanas é a de "fazer amor". O amor não se faz nem se fabrica, não é um (e)feito nem um produto. Por isso não se vê nem se mede, não se troca, compra ou vende. Quando muito faz-nos, molda-nos em função da nossa abertura ao mistério do seu dom. Mas, na melhor das hipóteses, quando é  autêntico e profundo, desfaz-nos. Dissolve todos os medos e expectativas, os ilusórios muros do ego, despe-nos do que julgamos pensar, ser e ter e deixa-nos a sós com a vastidão infinita do que nunca imaginámos.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A política do futuro já presente, bem como a economia, as finanças e tudo o mais, têm de ser inspiradas pela sabedoria do amor e da compaixão.

Há que nos expormos ao ridículo, para algumas vistas estreitas e por enquanto, de introduzir o amor e a compaixão no discurso e na prática políticos, de trazer valores que esta civilização excluiu da vida pública por serem "femininos" para actividades tradicionalmente consideradas "masculinas". Se os políticos do passado ainda presente só falam de economia e finanças, além de se comportarem como predadores uns dos outros, os políticos do futuro já presente falam e falarão de economia, finanças e tudo o mais, mas sem ataques pessoais e sobretudo com o amor e a compaixão no coração e no pensamento. Amor e compaixão que levem a colocar-nos no lugar do Outro antes de tomar decisões e aprovar leis que o vão afectar, incluindo no Outro todos os outros: trabalhadores, reformados, desempregados, idosos, crianças, jovens, animais domésticos e selvagens, árvores, terras, mares, ares, rios, ecossistemas. Há que integrar o "masculino" e o "feminino" em todas as áreas da nossa vida. A política do futuro já presente, bem como a economia, as finanças e tudo o mais, têm de ser inspiradas pela sabedoria do amor e da compaixão. Sem isso não há outro futuro para as nossas sociedades e o planeta que não seja o agravamento até ao colapso da barbárie já existente. 

"O sorriso [...] essa iluminação do mundo, esse clarão"



O sorriso é o instante de solidão extrema, de solidão admirável. É o momento do retorno, talvez, o milagre. Não dirigido para algo de específico ou alguém, mas para o imenso mundo, o sorriso é o ornamento da vida: ou seja a sua beleza não tem outra razão, a não ser essa iluminação do mundo, esse clarão”

- J. M. G. Le Clézio, L’Inconnu sur la terre, Paris, Gallimard, 1978, p. 289

“[...] a questão é: ou salvar a Terra ou fazer bons negócios. Trata-se de uma disjunção exclusiva: ambas as propostas não são simultaneamente viáveis"



“[...] a questão é: ou salvar a Terra ou fazer bons negócios. Trata-se de uma disjunção exclusiva: ambas as propostas não são simultaneamente viáveis.

O desajuste último, o que condena de forma inapelável este sistema económico – o capitalismo que precisa de uma expansão constante, ainda que se encontre dentro de uma biosfera finita - , é uma ideia errada: tratar de viver dentro de um planeta esférico e limitado como se se tratasse de uma Terra plana e ilimitada.
Como se os recursos naturais fossem infinitos, como se a entropia não existisse, como se nós, seres humanos, fôssemos omnipotentes e imortais.
[…]
Basta fazer contas durante dez minutos para sabermos que esta civilização está condenada. […]
E o capitalismo persegue um valor de produção comensurável com o reembolso da dívida… Puro wishful thinking: porém a semelhantes disparates se subordinam as políticas e as vidas humanas (tal como as não humanas, claro está) sob o domínio do capital.
Endividar-se para crescer e crescer para pagar as dívidas: assim se ligam capitalismo financeiro e devastação ecológica.
Não há no planeta Terra recursos naturais suficientes para pagar a dívida emitida, acumulada, aceitada. Essa montanha de dinheiro virtual há-de ser denunciada (a banca privada é uma das instituições que não podemos permitir-nos numa sociedade sustentável).
Um sistema sócio-económico que só sabe abordar a realidade – as realidades – em termos de rentabilidade e benefício está condenado. Isto é óbvio […].
Continuar a pensar hoje em termos de business as usual – mais crescimento do consumo para que estique a produção; mais aumento da produção para incrementar o consumo; mais endividamento para crescer mais; mais crescimento para pagar a dívida – é equivalente a sermos crianças de 35 anos que esperneiam no chão: não é verdade, não pode ser, o Pai Natal existe, não são os pais!
Porém já vamos sendo cresciditos, não é verdade!? Já se nos pode dizer que o Pai Natal são os pais? E que o “desenvolvimento sustentável” baseado num suposto desajuste (decoupling) entre crescimento económico e impacto ambiental é engano dos poderosos ou autoengano?”


- Jorge Riechmann, Interdependientes y Ecodependientes, 2012, pp. 425-427.

sábado, 24 de agosto de 2013

Há que repensar radicalmente a sociedade

Há que repensar radicalmente a sociedade. A palavra vem do latino socius, -ii, que significa companheiro, associado, aliado, e tem sido redutoramente interpretada como apenas relativa aos seres humanos, no ciclo antropocêntrico da cultura e da civilização, hoje manifestamente em crise. Com efeito, a vida humana é inseparável da vida dos outros animais e ambas dos ecossistemas. Todos os seres, humanos e não humanos, são naturalmente companheiros. Depende dos humanos reconhecê-lo e tratar os demais seres não como adversários, presas ou meros instrumentos e recursos, mas sim como associados e aliados, dotados de interesses próprios e valor intrínseco. Até porque, mesmo numa perspectiva antropocêntrica esclarecida, as agressões da humanidade aos demais seres e ao planeta são agressões a si mesma, como o mostra a crise ecológica. Isto implica repensar radicalmente a política, que tem hoje cada vez mais de sair do círculo estreito do antropocentrismo para cuidar o bem comum de todos os seres vivos e da natureza como um todo. Sem isso, é difícil manter qualquer esperança no futuro.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

"A ruptura cultural decisiva, a que hoje necessitamos, tem de apontar contra a mercantilização generalizada, o produtivismo e o desenvolvimentismo"


“O grande economista Kenneth Boulding já há muitos anos sugeriu que o PIB (Produto Interno Bruto) deveria considerar-se antes uma medida do custo interior bruto e que uma sociedade racional num planeta finito deveria orientar os seus esforços para minimizar este indicador, não para maximizá-lo. Minimizar o PIB – que mede as trocas mercantis – quer dizer: desmercantilizar.

A ruptura cultural decisiva, a que hoje necessitamos, tem de apontar contra a mercantilização generalizada, o produtivismo e o desenvolvimentismo. Tratar-se-ia de quebrar a identificação entre progresso e crescimento económico (produção de bens e serviços mercantis) […]. Necessitamos menos horas de trabalho, menos coisas, menos competição destrutiva, menos stress, menos desigualdade; e também mais cooperação, mais segurança existencial, mais democracia, mais tempo para a família e os amigos, mais tempo livre, mais festa… Precisamos que a qualidade (da vida, dos vínculos sociais, dos ecossistemas) prevaleça sobre a quantidade: uma concepção do progresso “pós-desenvolvimentista”, que teria de coincidir com a seguinte definição breve de desenvolvimento sustentável: vida boa dentro dos limites dos ecossistemas”

- Jorge Riechmann, Interdependientes y Ecodependientes, 2012, p.365.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Uma nova experiência de ser humano e uma nova vivência do divino ou do sagrado



Muito se perdeu na ideia do ser humano como o único ser à imagem e semelhança de Deus ou pelo menos na sua interpretação antropocêntrica. Perdeu-se um humano ao nível do seu nome, relacionado com “húmus”, um ser humano humilde e fraterno em relação à natureza e a todos os seres vivos e perdeu-se um divino ou um sagrado multiforme, susceptível de ser reconhecido e respeitado na Terra e no Céu e em todos os seres e fenómenos, inseparáveis entre si: animais, humanos, deuses, espíritos, plantas, minerais.

Há ideias destrutivas. Esta é uma delas e os resultados estão à vista na actual tirania humana sobre os animais e a natureza, na galopante destruição da biodiversidade e na iminência de colapso ecológico.


Inverter a situação exige uma nova experiência de ser humano e uma nova vivência do divino ou do sagrado: renovar o sentimento arcaico da sua igual omnipresença em todos os seres e em todas as coisas, como a miríade de rostos do invisível que em tudo e todos circula e de tudo e todos é inseparável, como inseparáveis todos o são uns dos outros. Esta nova vivência e sentimento é o embrião de uma nova civilização, pós-antropocêntrica e trans-humanista. Aqueles que os trazem já hoje em si são os desvendadores e os guardiões de um outro futuro: o da Vida, não o da morte para a qual a actual civilização caminha a passos largos.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Por um novo paradigma mental, ético e civilizacional (artigo para a CAIS de Setembro)



Vivemos uma profunda crise do paradigma que dominou a humanidade europeia-ocidental e se mundializou: nele o homem vê-se como centro e dono do mundo, reduzindo natureza e seres vivos a objectos desprovidos de valor intrínseco, meros meios destinados a servir fins e interesses humanos [1]. Se a tecnociência contemporânea confiou no progresso geral da humanidade mediante a exploração ilimitada dos recursos naturais e dos seres vivos, frustra-se hoje essa expectativa de um Paraíso terreno científico-tecnológico-económico: o sonho dos projectos neoliberais e socialistas converteu-se no pesadelo da guerra, fome e pobreza, da crise económico-financeira, da destruição da biodiversidade, do sofrimento humano e animal e da iminência de colapso ecológico. Os relatórios científicos mostram o tremendo impacte que o actual modelo de crescimento económico tem sobre a biosfera planetária, acelerando a sexta extinção em massa do Holoceno, com uma redução drástica da biodiversidade, sobretudo nos últimos 50 anos, a um ritmo que chega a 140 000 espécies de plantas e animais por ano, devido a causas humanas: destruição de florestas e outros habitats, caça e pesca, introdução de espécies não-nativas, poluição e mudanças de clima [2].

Manifestação particularmente violenta do antropocentrismo é o especismo, preconceito pelo qual o homem discrimina os membros de outras espécies animais por serem diferentes, mediante um critério baseado no tipo de inteligência que possuem que ignora a sua comum capacidade de sentirem dor e prazer físicos e psicológicos (a senciência, ou seja, a sensibilidade e o sentimento conscientes de si, distinto da sensitividade das plantas) ou o serem sujeitos-de-uma-vida, consoante as perspectivas de Peter Singer e Tom Regan [3]. A exploração ilimitada de recursos naturais finitos e dos animais não-humanos para fins alimentares, (pseudo-)científicos, de trabalho, vestuário e divertimento, tem causado um grande desequilíbrio ecológico e um enorme sofrimento. O especismo é afim a todas as formas de discriminação e opressão do homem pelo homem, como o sexismo, o racismo e o esclavagismo, embora sem lograr ainda o reconhecimento e combate de que estas têm sido alvo.

A desconsideração ética do mundo natural e da vida animal não só obsta à evolução moral da humanidade como também a lesa, lesando o planeta, como é particularmente evidente nos efeitos do consumo de carne industrial e de lacticínios. Além do sofrimento dos animais, criados em autênticos campos de concentração [4], além da nocividade da sua carne, saturada de antibióticos e hormonas de crescimento [5], a pecuária intensiva é um mau negócio com um imenso impacte ecológico: entre outros índices, destaque-se que toda a proteína vegetal hoje produzida no mundo para alimentar animais para consumo humano poderia nutrir directamente 2 000 milhões de pessoas, quase um terço da população mundial, enquanto 1 000 milhões padecem fome [6]. Isto leva a ONU a considerar urgente uma dieta sem carne nem lacticínios para alimentar de forma sustentável uma população que deve atingir os 9.1 biliões em 2050 [7].

Compreende-se assim a urgência de um novo paradigma mental, ético e civilizacional que veja que as agressões aos animais e à natureza são agressões da humanidade a si mesma, que não separe as causas humanitária, animal e ecológica e que reconheça valor intrínseco e não apenas instrumental aos seres sencientes e ao mundo natural, consagrando juridicamente o direito dos primeiros à vida e ao bem-estar e o do segundo à preservação e integridade (no que respeita aos animais, note-se que Portugal possui um dos Códigos Civis mais atrasados, considerando-os meras coisas móveis (!), o que urge alterar) [8]. Sem este novo paradigma, de uma nova humanidade, não antropocêntrica, em que o homem seja responsável pelo bem de tudo e de todos [9], não parece viável haver futuro.

 







[1] Kant considera o homem o “senhor da natureza”, que tem nele o seu “fim último” – Critique de la faculté de juger, 83, Paris, Vrin, 1982. O mesmo autor considera que os animais “não têm consciência de si mesmos e não são, por conseguinte, senão meios em vista de um fim. Esse fim é o homem”, que não tem “nenhum dever imediato para com eles” – Leçons d’éthique, Paris, LGF, 1997, p.391.
[2] A equipa internacional liderada pelo biólogo Miguel Araújo, da Universidade de Évora, publicou recentemente um importante artigo na revista Nature sobre as consequências na “árvore da vida” das mutações climáticas antropogénicas: http://www.nature.com/nature/journal/v470/n7335/full/nature09705.html
[3] Cf. Peter Singer, Libertação Animal [1975], Porto, Via Óptima, 2008; Tom Regan, The Case for Animal Rights [1983], Berkeley, University of California Press, 2004, 3ª edição. Peter Singer segue a perspectiva utilitarista herdada de Jeremy Bentham e baseia-se na igualdade de interesses dos animais humanos e não-humanos em experimentarem o prazer e evitarem a dor, enquanto Tom Regan estende a muitos dos animais não-humanos a perspectiva deontológica de Kant, considerando-os indivíduos com identidade, iniciativas e objectivos e assim com direitos intrínsecos à vida, à liberdade e integridade. Cf. Os animais têm direitos? Perspectivas e argumentos, introd., org. e trad. de Pedro Galvão, Lisboa, Dinalivro, 2011.
[4] Cf. Peter Singer, Libertação Animal; Jonathan S. Foer, Comer Animais [2009], Lisboa, Bertrand, 2010.
[5] Segundo a Organização Mundial de Saúde, mais de 75% das doenças mais mortais nos países industrializados advêm do consumo de carne.
[6] A produção de 1 kg de carne de vaca liberta mais gases com efeito de estufa do que conduzir um carro e deixar todas as luzes de casa ligadas durante 3 dias, consome 13-15 kg de cereais/leguminosas e 15 000 litros de água potável, cuja escassez já causa 1.6 milhões de mortes por ano e novos ciclos bélicos (http://www.ambienteonline.pt/noticias/detalhes.php?id=7788); a pecuária intensiva é responsável por 18% da emissão de gases com efeito de estufa a nível mundial, como o metano, emitido pelo gado bovino, que contribui para o aquecimento global 23 vezes mais do que o dióxido de carbono; 70% do solo agrícola mundial destina-se a alimentar gado e 70% da desflorestação da selva amazónica deve-se à criação de pastagens e cultivo de soja para o alimentar - cf. um relatório de 2006 da FAO, Food and Agriculture Organization, da ONU, Livestock’s Long Shadow: environmental issues and options: http://www.fao.org/docrep/010/a0701e/a0701e00.HTM
[7] http://www.guardian.co.uk/environment/2010/jun/02/un-report-meat-free-diet
[8] Para uma introdução às diferentes perspectivas e questões filosóficas, éticas e jurídicas relacionadas com a natureza e os animais, cf. Fernando Araújo, A Hora dos Direitos dos Animais, Coimbra, Almedina, 2003; Maria José Varandas, Ambiente. Uma Questão de Ética, Lisboa, Esfera do Caos, 2009; Stéphane Ferret, Deepwater Horizon. Éthique de la Nature et Philosophie de la Crise Écologique, Paris, Seuil, 2011.
[9] Cf. Hans Jonas, Das Prinzip Verantwortung, Frankfurt am Mein, Insel Verlag, 1979; Paulo Borges, "A questão dos direitos dos animais. Para uma genealogia e fundamentação filosóficas", in Hélder Martins Leitão, A Pessoa, a Coisa, o Facto no Código Civil, Porto, Almeida & Leitão, Lda, 2010, pp.229-251; “Quem é o meu próximo? Senciência, empatia e ilimitação”, Philosophica, nº40 (Lisboa, 2012), pp.25-40; Quem é o meu próximo? Ensaios e textos de intervenção por uma nova civilização, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa (no prelo).

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

"Ninguém pode nos impedir de amar mesmo aqueles que não nos amam"


“Ninguém pode nos impedir de amar mesmo aqueles que não nos amam.

Creio que isso indica uma grande liberdade. Permite-nos observar se somos adultos porque, em um primeiro tempo, o amor quer ser amado, quer receber amor, sendo isso normal para uma criança. Em uma outra etapa, o amor é compartilhar o amor. Eu te dou, tu me dás. Dar, receber, isso é justo e belo. Mas o coração humano é capaz de amar sem esperar retorno. Vocês me dirão que isso é para os santos… Digo-lhes que é para cada um de nós e não devemos nos privar disso – amar seres que nada nos dão em troca. Neste caso nos aproximamos do amor gratuito, que o Evangelho chama Ágape”

- Jean-Yves Leloup, Uma arte de amar para os nossos tempos. O Cântico dos Cânticos, Petrópolis, Editora Vozes, 2002, 2ª edição, p.68.

domingo, 11 de agosto de 2013

É urgente uma psicanálise colectiva


Uma das características mais salientes dos portugueses, porventura ressaca ainda das “glórias” dos Descobrimentos e de termos sido um Império à escala mundial hoje reduzido a uma faixa nos confins da Europa, é a necessidade de se verem e sentirem especiais e importantes nalguma coisa, o que nos casos extremos configura uma tendência maníaco-depressiva. Nalguns casos e por vezes achamos que somos os melhores, seja por termos uma missão especial no mundo (o caso de grandes poetas e pensadores, Luís de Camões, Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva), o maior centro comercial da Europa (o Dolce Vita Tejo, aberto em 2012 na Amadora), a maior feijoada do mundo (a da inauguração da Ponte Vasco da Gama, que na altura bateu o recorde do Guiness, com 15 000 pessoas e uma mesa com 5 kms de extensão) ou o melhor futebolista do mundo e um dia, à falta de regressar D. Sebastião ou realizarmos o Quinto Império, sermos pelo menos campeões da Europa ou do Mundo em futebol. Noutros casos e noutras vezes, achamos que somos os piores, os mais ignorantes e falhados, a nação que não tem razão de existir, onde nada funciona e nada se faz de bom, onde tudo é medíocre, estreito e mau, por contraste com as outras nações (que poucos conhecem, mas das quais todos falam como se nelas houvessem vivido desde sempre) onde tudo é perfeito, funcional e operacional, havendo que imitá-las para sair do buraco que somos.

Num caso como noutro achamos e sentimos que somos especiais e importantes: os melhores ou os piores, os melhores governados pelos piores ou os piores que só deixarão de o ser quando governados pelos melhores. E num caso como noutro ficamos contentes e orgulhosos porque ao menos não passamos despercebidos e temos motivo para fazer aquilo de que o nosso ego colectivo mais gosta: falar de si próprio, falar de nós próprios, rodopiando em torno do íntimo umbigo. Dizer e repetir como somos bons e incompreendidos ou como somos maus e dignos de lástima. Num caso como noutro aconchegamo-nos e masturbamo-nos à sombra das nossas virtudes ou dos nossos defeitos, num narcísico e ensimesmado comprazimento com as nossas luzes ou as nossas trevas.

Se da ideia de termos uma missão especial no mundo ainda se pode fazer alguma coisa de positivo, recriando as nossas tendências mítico-messiânicas como motivação para passarmos à acção orientada para causas nobres, como a urgente mudança de paradigma da civilização num sentido mais ético e sustentável para todos os seres vivos, já da vaidade do maior centro comercial, da maior feijoada ou do melhor jogador e da taça que havemos de ter nada há a fazer senão despertar dessas futilidades. E o mesmo se diga do maior divertimento e especialidade nacionais, que é dizer mal de tudo, sobretudo de Portugal e de nós próprios, e ficarmos satisfeitos com isso, como se a denúncia dos vícios públicos se convertesse em virtudes privadas e bastasse proclamar os nossos defeitos para que deles fôssemos livres sem fazermos nada por isso. O que é tanto mais difícil quanto cada português que fala dos defeitos dos portugueses tem tendência para se pôr de fora - como se ao dizer mal do seu país e do seu povo a sua nacionalidade e a sua responsabilidade misteriosamente se suspendessem - ou então para continuar a culpar por todos os males esse misterioso “eles” que no fundo está em cada um de nós sem querermos dar por isso, porque isso obriga a reconhecer no nosso íntimo e na nossa cumplicidade activa ou passiva aquilo que mais diabolizamos nos outros.

É urgente uma psicanálise colectiva (mas profunda, não meramente freudiana), que comece precisamente por nos abrir os olhos para esta recusa de os abrirmos. Só a partir daí é possível uma real transformação do país mental e material, porque os dois são um só e a crise de um é a crise do outro.

Palestra de Paulo Borges, a convite do Movimento Zeitgeist, sobre o PAN e a mudança de paradigma civilizacional.



Uma palestra minha, seguida de debate, a convite do Movimento Zeitgeist, onde se fala do PAN e da urgente mudança de paradigma civilizacional.

Ideias para uma nova política internacional portuguesa

Uns advogam que Portugal deve sair da Zona Euro e afastar-se da Europa, outros que nela deve continuar numa Europa federalista, outros que se deve aproximar dos países lusófonos e outros ainda outras coisas.

Portugal deve continuar onde sempre esteve: no planeta Terra. E se há relações que devem ser privilegiadas é com todos os povos, nações e culturas. Relações transversais aos Estados, tantas vezes meras abstracções criadas, a ferro e fogo, para dividir e enfraquecer as comunidades reais. Relações que privilegiem, por sua vez, tudo o que de melhor se está a fazer no planeta por um novo paradigma de civilização, que salve a Terra e os seres vivos, humanos e animais, da destruição que está a ser promovida pela globalização do modelo mental e económico europeu-ocidental e neoliberal.

No plano das relações internacionais do Estado português só se justifica a saída da Zona Euro quando as desvantagens e os sacrifícios de permanecermos superarem os de sairmos, o que por enquanto não se verifica. Pode, todavia, tornar-se uma realidade a curto/médio prazo e devemos estar preparados para essa eventualidade. O federalismo europeu pode ser uma boa solução, se assegurar a equidade político-económica entre as nações europeias e libertar a Europa do peso da Alemanha. E isso não impede que Portugal se aproxime, também economicamente, de outras nações mais próximas pela história, pela língua e pela cultura: não só as nações lusófonas, mas também as ibéricas (Espanha virá inevitavelmente a desmembrar-se) e as mediterrânicas, incluindo as do Norte de África. Portugal deve mesmo, com as nações do Sul da Europa, Espanha, Itália e Grécia, criar um bloco de resistência à hegemonia alemã e norte-centro europeia.

Todavia, nestas aproximações e relações internacionais, impõe-se um critério superior ao da história, da língua e da cultura: o da ética, da justiça e do bem. Portugal deve privilegiar relações com nações que respeitem os direitos humanos, dos animais e do ambiente. Neste sentido, a par de promover relações mais estreitas com as nações da sua área histórico-cultural que sejam mais fiéis a esses valores, Portugal deve inspirar-se e privilegiar contactos com nações que investem num novo paradigma civilizacional, como a Bolívia, que aprovou uma lei que consagra “o desenvolvimento integral em harmonia com a Mãe Terra e o Bem Viver”, e o Butão, que integrou nos princípios da sua governação a Felicidade Interna Bruta, da população, considerando-a mais importante do que o Produto Interno Bruto.

O mundo está em acelerada Mudança e importa que Portugal não continue a perder o comboio, permanecendo refém de todo o tipo de visões estreitas. Sobretudo se quiser cumprir a sua maior vocação, segundo a visão de Luís de Camões, Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva: contribuir para o surgimento de um Mundo Novo, com uma consciência nova, global e integral, como se simboliza na esfera armilar.

sábado, 10 de agosto de 2013

Se queres mudar tudo, muda-te primeiro que tudo

Dois dos maiores obstáculos à transformação do mundo, para já não falar naqueles que, por interesse ou hábito, não o querem transformar, são a ausência ou os limites da vontade de autotransformação daqueles que o querem transformar. Se queres mudar tudo, muda-te primeiro que tudo.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

"Se quisermos realmente responder às necessidades de um todo interdependente, precisamos de uma abertura de consciência que abranja o todo"

"A própria consciência não está separada da realidade física. Somos interdependentes de um modo que estamos apenas a começar a entender. E, no entanto, ainda vivemos numa civilização dominada por uma imagem newtoniana ultrapassada de separação. Infelizmente muita da presente "consciência ambiental" permanece dentro deste paradigma, vendo o desequilíbrio ecológico como um problema que podemos resolver científica ou economicamente. Apenas agora começamos a reconhecer o quanto a mudança de consciência é indispensável para a resolução desta crise global sem precedentes. Se quisermos realmente responder às necessidades de um todo interdependente, precisamos de uma abertura de consciência que abranja o todo".

- Llewellyn Vaughan-Lee, Sustainability, Deep Ecology, & the Sacred



quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Anúncio de Candidatura à Câmara Municipal de Lisboa e Convite para Jantar de Apresentação do Programa e dos Candidatos


Car@s Amig@s,

Antecipo-me à comunicação oficial do partido que ajudei a fundar e a cuja Direcção presido, o PAN, para vos dizer que sou seu candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, com os seguintes princípios e objectivos gerais, base de um programa de medidas concretas que será oportunamente divulgado e que inclui, naturalmente, proclamar Lisboa uma cidade livre de touradas, de circos com animais e de abates no Canil Municipal.

A candidatura do PAN à Câmara Municipal de Lisboa é uma candidatura que visa tornar Lisboa uma fonte de inspiração para a mudança que o PAN defende para todo o país e que colocará a capital de Portugal na vanguarda do movimento de transformação global que visa um novo paradigma mental, ético e civilizacional, centrado na consciência da interconexão entre todos os seres vivos, na busca do maior bem possível para todos, humanos e animais, e no respeito pelos ecossistemas e pela natureza.

Lisboa deve assumir-se em Portugal e perante o mundo como:

A cidade do abraço armilar ao mundo, da paz e da não-violência em relação a todos os seres vivos e à natureza.
A cidade da harmonia entre tradição, modernidade e pós-modernidade.
A cidade do investimento na felicidade e no bem-estar de humanos e animais, da não-discriminação, da protecção a crianças, mulheres e idosos e da solidariedade entre gerações.
A cidade das alternativas éticas, saudáveis e sustentáveis em termos económicos, energéticos, terapêuticos e alimentares.

Agradeço todo o vosso apoio na divulgação desta candidatura e convido-vos para estarem presentes no jantar de apresentação do programa e dos candidatos no dia 13 de Agosto, às 20h, no Jardim dos Sentidos (refeição vegana, com o custo de 12.50 euros).

A inscrição no jantar deve ser feita até ao dia 9, para o seguinte endereço:

lisboacommaisvalor@gmail.com

Os lugares são limitados.

Para qualquer esclarecimento adicional liguem para 969 954 184 ou para o 961 746 169.

Esta candidatura é acompanhada de muitas outras em todo o país que serão em breve anunciadas.

É a Hora de Despertar, Libertar e Mudar Lisboa, Portugal e o Mundo! É a Hora de não adiarmos mais os nossos sonhos e sermos a Diferença e a Alternativa! Passa a Mensagem! Bem hajas!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Este Não-Futuro que a Gente Vive


Este Não-Futuro que a Gente Vive

Será que nos resta muito depois disto tudo, destes dias assim, deste não-futuro que a gente vive? (...) Bom, tudo seria mais fácil se eu tivesse um curso, um motorista a conduzir o meu carro, e usasse gravatas sempre. Às vezes uso, mas é diferente usar uma gravata no pescoço e usá-la na cabeça. Tudo aconteceu a partir do momento em que eu perdi a noção dos valores. Todos os valores se me gastaram, mesmo à minha frente. O dinheiro gasta-se, o corpo gasta-se. A memória. (...) Não me atrai ser banqueiro, ter dinheiro. Há pessoas diferentes. Atrai-me o outro lado da vida, o outro lado do mar, alguma coisa perfeita, um dia que tenha uma manhã com muito orvalho, restos de geada… De resto, não tenho grandes projectos. Acho que o planeta está perdido e que, provavelmente, a hipótese de António José Saraiva está certa: é melhor que isto se estrague mais um bocadinho, para ver se as pessoas têm mais tempo para olhar para os outros.

- Al Berto, in Entrevista à revista Ler (1989)

domingo, 4 de agosto de 2013

Em mais uma efeméride de Alcácer-Quibir, há que desencobrir o Encoberto e pôr fim ao sebastianismo


Comemora-se hoje mais uma efeméride do 4 de Agosto de 1578, em que o desaparecimento de D. Sebastião em Alcácer-Quibir originou um trauma nacional e o mito do rei Encoberto, que haveria de voltar para salvar a nação e restabelecer a paz e a justiça em todo o mundo. Esse mito, fruto do imaginário celta do rei Artur e do messianismo hebraico-português, moldou a mentalidade nacional numa esperança quase sempre passiva de que alguém venha de fora resolver miraculosamente todos os nossos problemas. Comportamo-nos como órfãos de um pai redentor, o que tem tido efeitos nefastos em todas as áreas da nossa vida e sobretudo na política, levando-nos a confiar os nossos destinos em líderes medíocres. Há que tomarmos consciência disto e, seguindo as sugestões de pensadores como Sampaio Bruno, Fernando Pessoa, José Marinho e Agostinho da Silva, questionarmos se o verdadeiro Encoberto, o verdadeiro libertador, não estará no mais íntimo de cada um de nós. Em vez de esperarmos por ele, talvez seja ele que está à espera de que o desencubramos e assumamos para o manifestarmos na nossa vida e no mundo. E talvez o Encoberto não seja senão a nossa essência e consciência mais íntima, aquela que nos diz que a vida só vale a pena ser vivida quando posta ao serviço do bem de tudo e todos, humanos, animais e planeta. Que cada um desencubra e manifeste o Encoberto que há em si é a verdadeira redenção que Portugal e o mundo esperam. E isto não é para depois, é para já, para Agora. Como escreveu Pessoa no final da “Mensagem”: “É a Hora! Valete, Fratres (Saúde, Irmãos)”. Faz pois tua esta Hora e passa a Mensagem.

sábado, 3 de agosto de 2013

"Morte morrida, sim, morte matada, não!" - um depoimento da poeta e escritora Fernanda de Castro sobre o filho, o escritor e ensaísta António Quadros


Um depoimento da escritora e poeta Fernanda de Castro sobre o seu filho, o escritor e ensaísta António Quadros:

"Um dia, quando tinha quatro ou cinco anos, entrou na cozinha. Apesar das minhas recomendações, a Maria do Porto estava completamente proibida de matar fosse o que fosse em casa. Mas teimosa como era, um dia comprou uma galinha viva e matou-a em cima da mesa da cozinha no momento exacto em que o António entrou. Quando viu a galinha a espernear e a mesa coberta de sangue, teve um choque tão grande que, aos gritos e desfeito em lágrimas, se agarrou às saias da Maria, dando-lhe murros nas pernas com as suas mãozinhas crispadas. Eu peguei nele ao colo, levei-o para o quarto e comecei a dizer coisas à toa, coisas sem sentido que não serviam para nada, pois, de facto, não sabia verdadeiramente como fazê-lo compreender e aceitar aquela atrocidade. A certa altura, como supremo argumento, disse-lhe que a galinha estava muito velha, muito doente e que mesmo as pessoas quando estão muito velhas e muito doentes têm de morrer. Ele então olhou-me com os seus grandes olhos azuis marejados de lágrimas: - Morte morrida, sim, morte matada, não!"

- Fernanda de Castro, Ao Fim da Memória, vol. I, pág. 279.

É a Hora! A mensagem da Mensagem de Fernando Pessoa, em Outubro, na Temas e Debates / Círculo de Leitores


O meu próximo livro, É a Hora! A mensagem da Mensagem de Fernando Pessoa, sairá em Outubro na Temas e Debates / Círculo dos Leitores.

“No momento da dramática falência do paradigma europeu-ocidental, o da civilização tecnocientífica, produtivista-consumista, financeira e mediática, globalizada numa escalada inédita da predação do planeta e dos recursos naturais, da população humana e animal, da biodiversidade e da diversidade cultural, que nos deixa no limiar de um colapso ecológico-social, num momento em que mais do que nunca se aplica a Portugal, mas também à Europa e ao mundo, o diagnóstico certeiro do poema “Nevoeiro” acerca da desorientação geral e ausência de liderança em que nos encontramos, num momento crepuscular em que se torna evidente que não podemos continuar como até agora, mas no qual muitos ainda não vislumbram claramente um novo rumo, cremos que uma leitura atenta da Mensagem pode conduzir a esse salutar e fraterno despertar da consciência individual e colectiva a que nos convocam as suas derradeiras palavras, “Valete, Fratres” (“Saúde, Irmãos”)"

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A ingenuidade, a esperteza saloia e a malícia


"O maior perigo que corre o ingénuo: o de querer ser esperto. Tão ingénuo que cuida, coitado, de que alguma vez no mundo o conhecimento valeu mais do que a ingenuidade de cada um. A ingenuidade é o legítimo segredo de cada qual, é a sua verdadeira idade, é o seu próprio sentimento livre, é a alma do nosso corpo, é a própria luz de toda a nossa resistência moral. Mas os ingénuos são os primeiros que ignoram a força criadora da ingenuidade, e na ânsia de crescer compram vantagens imediatas ao preço da sua própria ingenuidade.

Raríssimos foram e são os ingénuos que se comprometeram um dia para consigo próprios a não competir neste mundo senão consigo mesmos. A grande maioria dos ingénuos desanima logo de entrada e prefere tricher no jogo de honra, do mérito e do valor. São eles as próprias vítimas de si mesmos, os suicidas dos seus legítimos poetas, os grotescos espantalhos da sua própria esperteza saloia.

Bem haja o povo que encontrou para o seu idioma esta denunciante expressão da pessoa que é vítima de si mesma: a esperteza saloia. A esperteza saloia representa bem a lição que sofre aquele que não confiou afinal em si mesmo, que desconfiou de si próprio, que se permitiu servir de malícia, a qual como toda a espécie de malícia não perdoa exactamente ao próprio que a foi buscar. Em português a malícia diz-se exactamente por estas palavras: esperteza saloia"

- Almada Negreiros

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O pior dos medos é o medo de si mesmo

O pior dos medos é o medo do fundo sem fundo de si mesmo. É ele que nos faz nascer e morrer agarrados, como o recém-nascido ou moribundo ao dedo ou mão que lhe estendem, na primeira ou última hora da nossa vinda ao mundo. O medo de não precisarmos verdadeiramente de nada, a não ser de amarmos incondicionalmente tudo e todos. É esse medo infantil que se prolonga na suposta vida adulta da humanidade e se converte em fazer do outro, humano, animal ou natureza, uma chucha ou seio supostamente destinados a satisfazer todos os nossos caprichos, inseguranças e desejos, por mais fúteis que sejam. A tentativa sempre frustrada de esquecer esse medo chama-se ganância e apego ao lucro, ao poder, à fama, ao prazer e à riqueza. Em termos económicos chama-se capitalismo e é esse medo infantil que está a destruir a vida e o mundo. Desperta desse medo. Acende a luz da alma e vê que nunca estiveste às escuras. Abandona a sede e a chucha. Sê fonte, levanta-te e anda!