“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Sentar e Caminhar em Paz e Silêncio por um Mundo Novo - Rossio - 1 de Junho - 15h



Sentar e Caminhar em Paz e Silêncio por um Mundo Novo

Rossio | 01 de Junho | 15 horas

Após o sucesso do evento de 20 de Maio de 2012, que decorreu simultaneamente em 16 cidades de Portugal, vamos de novo Sentar e Caminhar em Paz e Silêncio por um Mundo Novo no dia 1 de Junho de 2013, às 15h.

Como dissemos na convocatória do ano passado, somos filhos de uma civilização dominada por pensamentos, emoções e desejos prejudiciais que se traduzem num crescente mal-estar mental, existencial e social, numa galopante opressão económica e financeira, numa falsa democracia dominada pelos grandes grupos económicos e pela finança internacional, na devastação do planeta, da biodiversidade e dos recursos naturais, na violência contra os humanos, os animais e a Terra.

Trazemos contudo em nós a possibilidade de um mundo diferente, um mundo novo. Um mundo enraizado nas nossas mais profundas aspirações e onde florescem as nossas melhores potencialidades, a nossa natural vocação para a liberdade, a compreensão e o amor fraterno extensivo a todos os seres e a toda a Terra. É esse mundo que é necessário antecipar e actualizar, mediante o encontro com a nossa natureza profunda, a fonte original da nossa consciência, sensibilidade e energia criativa. Necessitamos de novas formas de acção e intervenção que, em vez de reproduzirem e agravarem os problemas esgotando-se na raiva e no protesto ruidoso mas sem alternativas, encontrem e apresentem soluções a partir da comunhão com a força da paz e do silêncio interiores, traduzida em estados de consciência mais calmos, claros e amorosos.

É por isso que este ano vamos voltar a sentar-nos em Lisboa, na Praça do Rossio, pelas 15h, onde permaneceremos uma hora em silêncio meditativo ou reflexivo, caminhando depois lentamente para o Terreiro do Paço, onde terá lugar uma assembleia para partilha de experiências, ideias e propostas para o desenvolvimento futuro de novas acções e iniciativas.

A organização do evento em Lisboa é da responsabilidade do Círculo do Entre-Ser, uma associação filosófica e ética vocacionada para o diálogo intercultural e inter-religioso e para a unidade entre meditação e acção na busca de soluções e alternativas para os múltiplos problemas do mundo contemporâneo. O evento está contudo e naturalmente aberto a todos os apoios e adesões, individuais e colectivos. Propomos também que, tal como no ano passado, o evento tenha lugar noutras cidades e localidades do país e mesmo do estrangeiro.

No final deste evento será publicamente apresentada a Carta pela Compaixão Universal, um documento que visa despertar consciências aprofundando e ampliando o alcance da Carta pela Compaixão lançada em 2009 pela professora Karen Armstrong, com grande repercussão mundial.

Junta-te a nós no dia 1 de Junho, às 15h, onde quer que estejas, pois onde quer que estiveres podes contactar a força pacífica e silenciosa que em comum nos habita.

Partilha e divulga o mais possível!

Bem hajas!

Obrigado,

Paulo Borges
Promotor da Iniciativa Sentar em Paz e Silêncio

Para mais informações por favor contacte:
Sofia Costa
comunicacao@sentar-em-paz.com

https://www.facebook.com/events/477039215701022/

terça-feira, 28 de maio de 2013

Mais de um século depois, vamos continuar a deixar que Antero tenha razão?



“Em Portugal não pode haver revolução, que mereça este nome, porque revolução pressupõe propósito, firmeza e força moral, o que aqui não há. Portugal é um país eunuco, que só vive duma vida inferior, para a vileza dos interesses materiais e para a intriga cobarde, que é o processo desses interesses. Não sei se a união ibérica se realizará: mas, a realizar-se, far-se-á pela força das coisas e não pela intervenção livre e razoável das vontades, que as não há cá para tanto. Uma única revolução é possível ou antes inevitável em Portugal: é a revolução anárquica da fome, mas essa não precisa que ninguém a promova, nem pode ser matéria de programas políticos. Virá a seu tempo e fatalmente, como a conclusão necessária da desrazão e do egoísmo universais. Deixemos pois passar a onda providencial, e tratemos simplesmente, como indivíduos, de conservar cada um em si um foco tão intenso quanto possível de força moral, de inteligência calma e sofredora caridade, pois, no naufrágio desta sociedade, na perversão do espírito público, toda a esperança de regeneração está posta nas virtudes individuais. Se, no meio do geral envilecimento, a natureza humana se manifestar grande e amável em alguns poucos indivíduos excepcionais, ao mesmo tempo como protesto e como exemplo, não se poderá então dizer que está tudo perdido”

- Antero de Quental, carta a Alberto Osório de Castro, de 25 de Novembro de 1890, in Cartas, II, pp.1013-1014.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Qual o "objectivo último" das sociedades humanas e, particularmente, da sociedade portuguesa?



“O sistema ético em vigor na sociedade exerce sempre a função de organizar ou ordenar a sociedade, em vista de uma finalidade geral. Não existe ordem social desvinculada de um objectivo último, pois é justamente em função dele que se pode dizer se o grupo humano é ordenado ou desordenado; se se está diante de uma reunião ocasional de pessoas, ou de uma colectividade organizada. Ordem é um conceito relacional, subordinado à definição de uma finalidade”

– Fábio Konder Comparato, Ética. Direito, moral e religião no mundo moderno, São Paulo, Companhia das Letras, 2006, p.23.

A questão é: qual o "objectivo último" das sociedades humanas? E, particularmente, da sociedade portuguesa?

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Lisboa, a vocação de Portugal e o novo paradigma civilizacional (texto publicado no número de Maio da revista CAIS)



A actual globalização hegemónica, de matriz local, europeia-ocidental, dominou o mundo nos ciclos imperial e colonial e domina-o ainda num neocolonialismo económico-financeiro. Esta globalização, sobretudo científico-tecnológica, económico-financeira e mediática, tem promovido a opressão e a exploração das nações mais pobres, cavando um fosso entre o Norte e o Sul, e suprimido vertiginosamente a diversidade cultural e a biodiversidade. Com ela o antropocentrismo predominante na cultura europeia-ocidental assume consequências cada vez mais dramáticas, pelo impacto tecnológico, pela explosão demográfica e pela insustentabilidade de um modelo de crescimento económico dominado pelas leis de mercado, pela produção e pelo consumo e pelo apetite do lucro, mediante a instrumentalização dos seres humanos, dos animais e da natureza.

Constatamos hoje que este paradigma está esgotado, causando um crescente mal-estar, sofrimento, injustiças e desequilíbrios a nível global. Um dos maiores esforços da própria cultura europeia-ocidental é para a crítica dos modelos que exportou para todo o mundo e para a busca de um paradigma alternativo, que preserve o que houver de melhor no passado com uma diferente orientação, que respeite o valor intrínseco dos seres vivos, humanos e não-humanos, e do mundo natural. O multiculturalismo é uma realidade incontornável da pós-modernidade e dispomos hoje de múltiplos modelos culturais e epistemológicos alternativos. É possível e urgente uma outra globalização, não opressora, exploradora e neocolonial, mas universalista ao mesmo tempo que baseada no reconhecimento e valorização das diferenças culturais, étnicas e nacionais. Uma globalização alternativa, baseada na partilha dos recursos espirituais, culturais, éticos, filosóficos e científicos desenvolvidos por diferentes povos e tradições, em distintos momentos históricos e diferentes espaços geográficos. A cultura europeia-ocidental deve abrir-se ao(s) outro(s), não numa atitude de “tolerância” condescendente, mas na escuta, acolhimento e encontro autênticos que nessa(s) alteridade(s) procure acrescentar o que lhe falta e moderar o que tem em excesso, partilhando ao mesmo tempo, sem preconceitos de superioridade ou inferioridade e sem pretensões de ensinar e impor, o que tem de mais próprio.

Após haver liderado a primeira modernidade com os Descobrimentos, sendo pioneiro na globalização do paradigma eurocêntrico, que resultou no ciclo imperial, colonial e neocolonial actual, mas tendo sido também precursor no encontro e diálogo com povos e culturas com outras e muita distintas visões e experiências do mundo, Portugal deve hoje reorientar essa vocação histórica de mediador entre povos e culturas para trazer para a Europa o melhor das culturas planetárias e contribuir para uma ampla plataforma de diálogo intercultural que vise um novo paradigma civilizacional, mais sábio, ético, sustentável e verdadeiramente universal, conforme a visão dos maiores poetas e pensadores do nosso destino, como Luís de Camões, Padre António Vieira, Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Agostinho da Silva. Lisboa, descrita já por Fernão Lopes como “grande cidade de muitas e desvairadas [várias] gentes”, palco das grandes mutações da história de Portugal (1383-1385, 1640, 1910 e 1974), tem uma tradição histórico-cultural inovadora, cosmopolita e universalista e uma posição geo-estratégica que a vocaciona e habilita para ser um dos centros vitais deste processo. Lisboa, voltada pelo Tejo para o Oceano e banhada por uma singular luz, deve ser hoje de novo um grande entreposto de especiarias, mas agora as do espírito, da cultura, da ética, da justiça económico-social e da convivência fraterna e harmoniosa, não só entre todos os povos, nações e culturas, mas também entre os seres humanos, os animais, os demais seres vivos e a Terra.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Tertúlias dos Anjos, 23 de Maio, 19h - Espiritualidade, intervenção cívica e activismo

https://www.facebook.com/events/257778031029016/

Tertúlias dos Anjos, 23 de Maio, 19h - Espiritualidade, intervenção cívica e activismo

A intervenção cívica e o activismo, sobretudo em tempos de crise e convulsão social, são frequentemente dominados por emoções violentas e conflituosas, que se tornam parte do problema e não da solução. Perante isto, impõem-se alternativas promotoras de uma acção firme baseada na paz, na calma e na não-violência, o que exige dos activistas um treino mental eficaz. O mundo contemporâneo assiste a um encontro imprevisto entre práticas contemplativas e transformação social.

Paulo Borges (professor da Universidade de Lisboa; presidente do PAN, da União Budista Portuguesa e do Círculo do Entre-Ser)
Ângela Santos (professora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente da Assembleia Geral do Círculo do Entre-Ser)
António Faria (investigador e vice-presidente do Círculo do Entre-Ser)

Clube Recreativo dos Anjos, Rua dos Anjos, 17, 1º andar - Lisboa




quinta-feira, 16 de maio de 2013

"Eu pertenço de andar atoamente"

"Eu pertenço de andar atoamente.
Não tive estudamento de tomos.
Só conheço as ciências que analfabetam.
Todas as coisas têm ser? 
Sou um sujeito remoto.
Aromas de jacintos me infinitam.
E estes ermos me somam"

- Manoel de Barros, Livro sobre nada.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Outro mundo é possível. Até no futebol (artigo para a CAIS de Junho)





Outro mundo é possível. Até no futebol

O futebol é um desporto que suscita as mais violentas emoções, em conformidade com as suas longínquas origens histórico-lendárias. Uma tradição diz que na China, entre 2000 e 1500 a. C., guerreiros inventaram um meio de relaxar após a tensão das batalhas: pontapear o crânio de um inimigo de modo a ultrapassar duas estacas de bambu fincadas no solo. A partir daí teria derivado, já no séc. III a.C., o exercício militar de tsu-chu, “chutar a bola”, que passou a substituir a cabeça humana. Importada pelo Japão no séc. II, o jogo, kemari, deixou de ser uma competição para passar a um cerimonial. Também na América Central, a partir de 900 a.C., se jogou o tlachtli, entre dois grupos de sete jogadores, que procuravam evitar que a bola de borracha tocasse o chão, introduzindo-a num de dois aros de pedra. No início o jogo tinha um sentido ritual e sacrificava-se o capitão da equipa vencida, na maioria das vezes por decapitação [1].

            Fiel às origens, o futebol globalizou-se como o maior ritual catártico da violência subconsciente das emoções colectivas e do crescente mal-estar existencial e civilizacional. Indiscutivelmente fascinante, como jogo e fenómeno estético-coreográfico, e como rito festivo dos desenlaces imprevistos da vida num mundo cada vez mais planificado nos mecanismos do trabalho, da produção e do consumo, questionável é o modo como inconscientemente é vivido. Na verdade, se por um lado sublima a violência instintiva e é um substituto da guerra, por outro reproduz arcaicas e violentas emoções dualistas, que contradizem a regra de ouro ética que é colocar-se no lugar do outro. No futebol de alta competição de clubes e selecções prevalece a lógica tribal ou nacionalista de que uns, por serem da nossa equipa, e terem um determinado emblema, camisola, língua ou hino, são os “bons”, devendo ganhar, e os outros, apenas por serem diferentes, são os “maus”, devendo perder. É ela que nos faz vibrar de alegria com a vitória dos nossos e com a derrota dos outros, ou seja, com isso mesmo que os faz sofrer. E são estas emoções que dificultam a expansão da empatia, da qual dependem vínculos sociais e éticos alargados.

Por outro lado, compreende-se que, numa civilização individualista, burguesa e profana, muito do fascínio do futebol resida também em oferecer um regresso fugaz ao sentimento de pertença e celebração comunitárias e à experiência neoreligiosa de um êxtase por identificação com um símbolo/totem e, sobretudo, com as novas divindades ou heróis que são os jogadores, operadores desses novos milagres que são as grandes defesas, as grandes jogadas e os grandes golos. Essa é a famosa "mística" do futebol, decerto muito mais atractiva do que a reflexão desencantada sobre tudo isto. Como disse Bill Shankly, treinador do Liverpool: “Algumas pessoas pensam que o futebol é tão importante quanto a vida e a morte. Elas estão muito enganadas. Eu asseguro que ele é muito mais sério que isso”.

Essa atracção é contudo instrumentalizada num meganegócio de interesses obscuros, além de servir como hiper-distracção colectiva que, colonizando os media numa gigantesca cortina de fumo, encobre o afundar de uma civilização na opressão sócio-económica e no colapso ecológico, sugando energias humanas e recursos financeiros que podiam ser canalizados para um mundo alternativo.

Não é todavia inevitável que o futebol implique vitórias e derrotas. Outros povos, com outros valores, deram-lhe outra orientação:

“Na Nova-Guiné, os Papuas Gahuku-Kama adoptaram com entusiasmo o futebol, mas adaptaram-no aos seus valores culturais. Excluiu-se haver um ganhador e um perdedor. A partida prolongava-se, era suspensa e retomava-se até que as contas estivessem equilibradas. Isso não impedia em absoluto a excitação de cada golo e a exaltação dos heróis do jogo. Cada partida reforçava a reputação e a satisfação dos dois campos, mas a agressividade era facilmente conjurada” [2].

Estou convicto que a única saída para a globalização da cultura ocidental - que colonizou as mentes com a suposta normalidade de competir com o objectivo de vencer e derrotar o outro, e que hoje domina tudo, desde a educação à economia e à política - é ter a humildade de reaprender o essencial com estas culturas que sobreviveram ao seu imperialismo e que durante séculos espezinhou e humilhou.

Na verdade outro mundo é possível. Até no futebol.



[1] Hilário Franco Júnior, A Dança dos Deuses. Futebol, Sociedade, Cultura, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, p.15-16.
[2] Serge Latouche, L’Occidentalisation du Monde. Essai sur la signification, la portée et les limites de l’uniformisation planétaire (1989), Paris, La Découverte, 2005, p.76.

domingo, 12 de maio de 2013

Os efeitos do Porto-Benfica e a sabedoria dos Papuas




Cada vez mais descubro e fico fascinado com as pérolas da sabedoria planetária não-ocidental, neste caso concreto perante o espectáculo da exaltação de uns e da depressão de outros após o Porto – Benfica de ontem… Cada vez mais estou convencido da praga que foi e é a globalização dos valores e costumes europeus-ocidentais, neste caso a competição com o objectivo de vencer e derrotar o outro, que domina tudo, desde a educação ao desporto, à economia e à política. E cada vez mais me convenço de que a única saída para o Ocidente é ter a humildade de reaprender tudo ou quase tudo com as culturas que sobreviveram ao seu imperialismo e que durante séculos humilhou e espezinhou.  

“Na Nova-Guiné, os Papuas Gahuku-Kama adoptaram com entusiasmo o futebol, mas adaptaram-no aos seus valores culturais. Excluiu-se haver um ganhador e um perdedor. A partida prolongava-se, era suspensa e retomava-se até que as contas estivessem equilibradas. Isso não impedia em absoluto a excitação de cada golo e a exaltação dos heróis do jogo. Cada partida reforçava a reputação e a satisfação dos dois campos, mas a agressividade era facilmente conjurada"

- Serge Latouche, L’Occidentalisation du Monde. Essai sur la signification, la portée et les limites de l’uniformisation planétaire (1989), Paris, La Découverte, 2005, p.76.

sábado, 11 de maio de 2013

“A médio prazo, se não civilizarmos a economia teremos de mudar de civilização"


“A médio prazo, se não civilizarmos a economia teremos de mudar de civilização. Em diferentes espaços-tempo, segundo ritmos e graus de ambição distintos, com recurso a gramáticas semânticas que só se reconhecem mediante tradução, os objectivos são democratizar, descolonizar, desmercadorizar. Este projecto seria ambicioso e utópico se a alternativa não fosse a guerra incivil, a catástrofe ecológica, o fascismo social montado nas costas da democracia política”

- Boaventura de Sousa Santos, Portugal. Ensaio contra a autoflagelação, Coimbra, Edições Almedina, 2011, p. 154.

Creio que para civilizar a economia temos mesmo de mudar de civilização... E temo que a médio prazo seja já demasiado tarde para evitar todos os riscos referidos...

"(...) considerar a queda do Ocidente não como o fim do mundo, mas apenas como o fim de uma civilização"




“A falência da máquina tecno-económica gera o declínio do Ocidente como civilização. O fracasso do desenvolvimento e o fim da ordem nacional-estatal são os sinais e as manifestações deste insucesso, mas não são as suas causas exclusivas. As resistências das sociedades diferentes, a sua capacidade para sobreviver como diferentes, a aptidão das socialidades elementares para desviar os contributos mais diversos da modernidade para sentidos radicalmente estranhos, contribuem para a erosão do domínio do modelo ocidental. Estas sobrevivências, resistências e desvios permitem considerar a queda do Ocidente não como o fim do mundo, mas apenas como o fim de uma civilização. A vitalidade, o dinamismo do outro, deixam augurar escapatórias à fatalidade do universo unidimensional”
           
            - Serge Latouche, L’Occidentalisation du Monde. Essai sur la signification, la portée et les limites de l’uniformisation planétaire (1989), Paris, La Découverte, 2005, pp.139-140. 

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Há que salvar o Vale do Tua!


Vejam a curta metragem documental produzida e realizada pela Aid Nature, numa iniciativa do PAN, sobre um dos últimos rios selvagens da Europa. Ainda vamos a tempo de salvar o Vale do Tua de mais um crime ambiental, social, económico e patrimonial. Divulguem e participem! Só uma opinião pública informada e mobilizada pode parar um negócio que só é rentável para a EDP, as empresas de construção civil e a banca, e cuja factura nos será debitada mensalmente no pagamento da electricidade.

terça-feira, 7 de maio de 2013

"Quer se queira ou não, o desenvolvimento não pode ser diferente do que foi. O desenvolvimento foi a ocidentalização do mundo"



“Quer se queira ou não, o desenvolvimento não pode ser diferente do que foi. O desenvolvimento foi a ocidentalização do mundo. Uma verdadeira conversão das almas é necessária para realizá-lo; esta obtém-se pela força bruta (a colonização) ou pela violência simbólica (a miragem de se tornar ricos e poderosos como os Brancos), seguidas pelo esforço de anular por todos os meios todas as diferenças em relação ao Ocidente. […]
Uma vez interiorizado o olhar do outro, começa um processo de autocolonização do imaginário. As sociedades não ocidentais são tomadas então na dinâmica infernal da ocidentalização”

- Serge Latouche, Décoloniser l’imaginaire. La Pensée créative contre l’économie de l’absurde, Lyon, Parangon, 2005, pp.73-74.

domingo, 5 de maio de 2013

Que dia poderá homenagear uma Mãe?

Que dia poderá homenagear uma Mãe? Que efeméride poderá celebrar com devida justiça a figura humanamente mais evocativa do Amor incondicional? E quem poderá recordar o íntimo vínculo da Mãe com a Matriz e a Matéria viva e doadora de vida, sugerido na palavra latina “mater”, que “designava primitivamente o tronco da árvore por onde sobe a seiva que alimenta os ramos como uma mãe nutrindo os seus pequenos” (Odon Vallet). A Mãe evoca a misteriosa génese uterina do ser, essa originária e nocturna profundidade da vida pré-natal cuja fragrância ou saudade não deixa de assombrar a diurna superficialidade da vida convencional. Humana, divina ou cósmica, é à Mãe e ao húmus matricial do ser que recorremos nas crises da razão masculina e fáustica, como aquela em que a presente civilização se dilui e regenera. Bem hajam todas as Mães, todas as silenciosas e amorosas nutrizes do mundo e dos seres.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

"Nenhum centralismo fascista conseguiu fazer o que fez o centralismo da sociedade de consumo"


"Nenhum centralismo fascista conseguiu fazer o que fez o centralismo da sociedade de consumo. O fascismo proponha um modelo, reaccionário e monumental, que todavia permanecia letra morta. As diferentes culturas particulares (camponesas, subproletárias, operárias) continuavam imperturbavelmente a assemelhar-se aos seus antigos modelos: a repressão limitava-se a obter a sua adesão verbal. Hoje, pelo contrário, a adesão aos modelos impostos pelo centro é total e sem condição. (...) (O centralismo da sociedade de consumo) impôs (...) os modelos desejados pela nova industrialização, que não mais se contenta com um "homem que consome", mas pretende que nenhuma outra ideologia a não ser a do consumo é doravante concebível. Um hedonismo neo-laico, cegamente esquecido de todo o valor humanista e cegamente estranho às ciências humanas"

- Pier-Paolo Pasolini, Scritti corsari, Milão, Garganzi, 1975, pp.22-23.

O totalitarismo, fracassado no fascismo, no nacional-socialismo e no estalinismo, paradoxalmente triunfa nas sociedades liberais e na dita democracia representativa. O regime de pensamento único, que falhou sempre que se tentou impor pela violência política, triunfou quando se manifestou como a realização dos nossos desejos de conforto, prazer e bem-estar, do nosso ideal de termos tudo ao nosso dispor a todo o momento. Mesmo que isso implique a destruição do outro, seja humano, animal ou o planeta. E é este fascismo dos nossos desejos o mais difícil de vencer, pois instaura-se disfarçado de liberdade. Lamentavelmente, a libertação tornou-se a mais impopular das soluções. Quando assim é, a mudança dificilmente vem sem a catástrofe...

quarta-feira, 1 de maio de 2013

O Paradoxo do 1 de Maio - Celebrar o Trabalho?

O Paradoxo do 1 de Maio - Celebrar o Trabalho?

O dia de hoje é paradoxal. Celebra-se o trabalhador, na efeméride de uma manifestação contra a exploração do trabalho pela civilização burguesa e capitalista, mas esquece-se que o trabalho é precisamente o valor em nome do qual essa civilização triunfou e que foi estranhamente assumido e divinizado pela quase totalidade do movimento socialista. A nova religião do sucesso pelo trabalho surgiu nos países do Norte da Europa (como mostrou Max Weber) e generalizou-se também em nome da emancipação da escravatura da maioria activa e produtiva da população para que alguns - clero e nobreza - vivessem desocupados, mas acabou por democratizar e universalizar essa escravatura, com a planetarização do Ocidente. Hoje somos (quase) todos escravos do trabalho, com excepção de uma minoria. Como dizia Agostinho da Silva, (sobre)vivemos sem tempo para outra coisa senão "ganhar a vida" que recebemos gratuitamente, sem tempo para contemplar, amar e criar, ou para simplesmente ser, constantemente ocupados e preocupados com a produção e o consumo de produtos, bens e serviços que na maioria são desnecessários, fúteis e muitas vezes prejudiciais, aproveitando apenas à minoria de investidores e especuladores que lucram com isso. A civilização do trabalho e do "neg-ócio" - a negação do "otium", a desocupação contemplativa, fonte de todo o conhecimento desinteressado - domina e escraviza tudo, desde os milhões de vidas humanas instrumentalizadas em actividades mecânicas, burocráticas e fastidiosas até ao número inconcebível de vidas animais industrializadas na produção de carne, peixe e lacticínios e aos recursos naturais, à biodiversidade e à paisagem de uma Terra devastada por este formigueiro alucinado, neurótico e "workaólico" em que se converteu a humanidade. 

Se queremos libertar os humanos, os animais e a Terra temos de abandonar a nova religião do crescimento económico - com o seu novo deus-ídolo, o dinheiro e o lucro, os seus novos profetas-sacerdotes do marketing e da publicidade e os novos teólogos-economistas neoliberais ou socialistas produtivistas - e optar por uma sociedade onde se trabalhe menos e haja mais tempo livre para viver uma vida não centrada na produção e no consumo, com a vantagem de assim haver mais emprego para todos, menos destruição dos ecossistemas e das vidas dos animais e mais tempo livre para a cultura, o desenvolvimento pessoal e a felicidade. Mas isso exige, a par de recolocar a economia sob o domínio da política e esta sob a alçada da ética e da cultura, deixarmos de ser cúmplices da ganância institucionalizada e investirmos em vidas mais simples, com menos quantidade mas mais qualidade, reduzindo os desejos às necessidades, de modo a que a opulência de poucos não seja a miséria da maioria e haja uma abundância frugal para todos. Veja-se a fundamentação científica desta proposta na vasta obra do economista Serge Latouche, do qual existe em português o "Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno". 

Esta nova atitude pode aprender-se e emergir mais facilmente nos povos, sociedades e culturas que preservam ritmos e formas de vida mais contemplativos,  sustentáveis e festivos, como no Sul da Europa, África, América Latina, algum Oriente menos ocidentalizado e no mundo tradicional e indígena em geral, desde que se livrem da obsessão de imitarem o pior do estilo de vida europeu-ocidental. Comecemos por nós, portugueses e lusófonos, que temos a vocação histórica de promover pontes entre culturas e estamos numa posição estratégica ideal para trazermos para o Velho Mundo europeu ideias que o possam ressuscitar da decadência em que se afunda, vergado sob o peso das ideologias do trabalhismo, sejam de "direita" ou de "esquerda".