“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

quarta-feira, 23 de abril de 2014

"O papel dos períodos de declínio é pôr uma civilização a nu" - Emil Cioran


"O papel dos períodos de declínio é pôr uma civilização a nu, desmascará-la, despojá-la dos seus prestígios e da arrogância ligada às suas realizações. Ela poderá assim discernir o que valia e o que vale, o que havia de ilusório nos seus esforços e nas suas convulsões. Na medida em que se desapegar das ficções que asseguraram o seu renome, dará um passo considerável para o conhecimento..., para a desilusão, para o despertar generalizado, promoção fatal que a projectará fora da história, a menos que ela não esteja desperta por ter simplesmente cessado de aí estar presente e de aí sobressair"

- Emil Cioran, Écartèlement, 1979.

sábado, 19 de abril de 2014

Como lidar com as emoções perturbadoras? Retiro de meditação segundo a via do Buda - 25-27 de Abril - Casa Silva (Barcelos)


Todos vivemos constantemente a experiência de múltiplas emoções conflituosas que nos retiram a paz interior e a clareza mental, nos levam a pensar, dizer e fazer o que não desejamos e são fonte de sofrimento para nós e para os outros. Muitas vezes pensamos que somos mesmo assim e que não há nada a fazer, mas isso apenas por ignorarmos certos métodos muito simples de meditação, ensinados pelo Buda, que nos ajudam a não nos deixarmos dominar por essas emoções e, em vez disso, transformar e utilizar a sua energia para desenvolver o autoconhecimento e sentimentos positivos, como contributo para o bem comum e para uma sociedade mais desperta. O objectivo deste retiro é aprendermos a fazer isso, num espaço privilegiado de sossego e comunhão com a natureza.

Orientação: Paulo Borges
Local: Seminário da Silva - Barcelos (próximo de Braga)
Data: 25 a 27 de Abril 2014
Refeições: Vegetarianas

Informações / Inscrições: devesaana@hotmail.com Telm: 919957931

Programa do Retiro:

Dia 25 – 6ª feira

19.00 – 20.30 - Chegada e acomodação (não inclui jantar).
21.00 – 22.00 – Conhecer a mente e as emoções: a ignorância, o egocentrismo e as seis principais emoções perturbadoras. As suas desvantagens pessoais, sociais e ambientais. Os dois principais métodos libertadores pela meditação: transformá-las nos quatro sentimentos ilimitados – amor, compaixão, alegria e imparcialidade - e auto-libertação contemplativa.

Dia 26 – Sábado

07.30 – 09.00 – Como meditar? O sentido exterior e interior dos sete pontos da postura física.
09.00 – 10.00 – Pequeno-almoço
10.00 – 13.00 (com intervalo) – Sessões teórico-práticas de meditação sentada e em andamento, ao ar livre. Shamatha – Estabilizar a mente na atenção plena às sensações físicas, à respiração, ao fluxo das emoções/pensamentos, aos fenómenos externos e ao simples estar consciente. Meditação com objecto e sem objecto.
13.30 – 14.30 – Almoço
15.00 - 19.00 (com intervalo) – Como lidar com as emoções perturbadoras? Prática dos dois métodos.
19.30 – 20.30 – Jantar
21.00 – 22.00 – Sessão de meditação. O tonglen e a transformação da energia.

Dia 27 – Domingo

07.30 – 09.00 – Sessão de meditação.
09.00 – 10.00 – Pequeno-almoço
10.00 - 13.00 (com intervalo) – Como lidar com as emoções perturbadoras? Prática dos dois métodos. O tonglen e a transformação da energia.
13.30 – 14.30 – Almoço
15.00 - 17.00 – A visão pura e a meditação com mantras como forma de pacificar e despertar a mente.

O retiro será facilitado por Paulo Borges. Tenta praticar desde 1983 e é responsável, desde 1999, por seminários, cursos e retiros de budismo e meditação budista. Tradutor de livros budistas. Autor, entre outros, de O Budismo e a Natureza da Mente (com Matthieu Ricard e Carlos João Correia), O Buda e o Budismo no Ocidente e na Cultura Portuguesa (com Duarte Braga) e Descobrir Buda. Professor de Filosofia na Universidade de Lisboa, presidente da União Budista Portuguesa e do Círculo do Entre-Ser.

Contribuição: 100 euros (inclui dormidas, todas as refeições e as actividades do retiro)

Inscrições: É necessário inscrever-se previamente até ao dia 18 de Abril, por telefone ou e-mail, confirmando a inscrição com a respetiva transferência para o
NIB: 0036 0390 99101265481 39

- Convém trazer roupas largas, uma almofada e um tapete.

- O evento está aberto a todas as pessoas e não implica nenhum conhecimento ou prática de budismo ou meditação.

- 10% de cada inscrição será doado ao benefício dos animais, com a motivação de contribuir para o bem de todos os seres sencientes.

Como chegar:

Chegando a Barcelos, seguir as placas estádio (cor de laranja), rotunda do Estádio de Futebol, seguir na direcção de Ponte de Lima. Um pouco mais à frente novamente placa de Ponte de Lima virar direita, aqui virar de imediato nesse cruzamento à esquerda, tem uma placa que diz rua do Seminário (rua estreita em paralelo de lado esquerdo, entre uma clínica dentária e uma casa de móveis)
Seguir sempre em frente aproximadamente 3 km, passará um pouco de bosque que já faz parte do seminário até encontrar um grande portão.

Os participantes desfrutarão de um belo espaço arborizado, onde se sente a plenitude da natureza.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Uma experiência, uma epifania da Vida

Ontem não pude apresentar o meu livro “É a Hora!” em Coimbra, pois uma senhora foi tragicamente colhida por um comboio em Santarém e, após uma longa paragem, tive de desistir da viagem. Saí na estação de Setil e ali fiquei à espera de um comboio regional que me trouxesse de volta para Lisboa, no meio do nada, numa estação fantasma junto a uma aldeia não menos fantasma cuja população não chega a 30 pessoas. Ia a ler “The Sacred Universe”, de Thomas Berry, e de súbito a realidade mostrou-me o que o livro dizia, mas com muito mais brilho e eloquência. O isolamento no meio de uma estação deserta, a suspensão de todos os planos, projectos e expectativas, o não saber quanto tempo iria ali ficar, mas sobretudo o incêndio dos campos com o canto estridente das cigarras, o sol primaveril a aquecer o ar e a fazer cintilar as cores, o som do vento nas árvores, moitas e ervas altas, o odor da natureza selvagem, converteu-se numa autêntica epifania. Por experiência directa senti o que Thomas Berry afirma, que não é nos textos sagrados nem nos seus comentários humanos, mas sim na natureza que o divino constantemente se manifesta e connosco comunica, numa linguagem infinitamente mais perfeita que todas as línguas humanas. Aquele sol e aquele canto das cigarras, toda aquela profusão de coisas bem sensíveis, inseparáveis da consciência alerta que em mim despertaram, eram a experiência directa do que uns chamam “Deus” e outros muitos outros nomes. Chamo-lhe Vida, uma Vida opulenta da qual somos inseparáveis, mas que tristemente quase nunca percepcionamos por andarmos enclausurados nos nossos pensamentos, planos e preocupações, nos nossos livros e telemóveis, nas nossas casas, cidades e veículos. Durou pouco mas soube a muito, soube a tudo. Passado algum tempo chegou o comboio regional vindo de Tomar e nele regressei à (a)normalidade desta vida menor em que nos exilamos e refugiamos da Grande Vida que a tudo abraça.

Compreendi uma vez mais, por experiência directa, a razão profunda pela qual a humanidade está a destruir os recursos naturais do planeta e os demais seres vivos, destruindo-se a si mesma. Antes mesmo dos motivos económicos e da ganância de lucro, a raiz mais funda deste drama está no facto de a maior parte dos humanos ter perdido esta evidência da sacralidade do mundo, ter perdido a capacidade de maravilhamento e gratidão perante o prodígio da natureza e imaginar-se desconectada desta Vida que é afinal a nossa única e imensa riqueza. Agora sei que na verdade existem anjos: aquelas cigarras, com o seu sublime canto, são os Anjos do Real. E os nossos campos abandonados são o Paraíso, o Paraíso que na verdade por todo o lado podemos reencontrar se tivermos os sentidos bem despertos e a consciência despida de planos, preocupações e (pre)conceitos. A mudança de paradigma tem de passar pelo despertar espiritual da humanidade, para lá de religiões, crenças e ismos.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Sobre a Tortura dos Humanos e dos Animais (a propósito do livro de José Sócrates, do prefácio de Lula da Silva e do posfácio de Eduardo Lourenço)


O Público do passado Domingo (6.04.2014) pré-publicou o posfácio do professor e ensaísta Eduardo Lourenço à 2ª edição do livro do ex-primeiro-ministro José Sócrates, A Confiança no Mundo, onde este trata da persistência da prática institucional da tortura no mundo actual, nomeadamente em “nações-santuários da Democracia ocidental” como a França e os Estados Unidos. O ex-presidente do Brasil, Lula da Silva, no seu prefácio ao livro, chama-lhe a “velha chaga que acompanha a história da humanidade há séculos e séculos” e continua a supurar “neste nosso mundo herdeiro das Luzes e suas libertadoras utopias”, acrescenta Eduardo Lourenço. José Sócrates considera a existência actual da tortura como “escândalo e contradição ética intolerável na perspectiva de uma ordem propriamente democrática” e isso confere ao seu livro, segundo Eduardo Lourenço, “uma função problematizadora da própria mitologia democrática sob a qual, em princípio, assenta a ordem ideal da chamada Civilização Ocidental e não só”.

Lourenço considera que a tortura, não sendo a única expressão do “Inumano”, é todavia “aquele acto por excelência que se assume como pura vontade do Mal, quer dizer, da negação do estatuto do Outro como outro, aditando ser o único comportamento “que é acompanhado pelo prazer do mesmo acto que anula o outro e em que nós nos anulamos suprimindo inocentemente a nossa essência humana”. Recorda a esse respeito a conversão da tortura em “espectáculo” e “festa” nos países da Inquisição e no Portugal do tempo dos Távoras. Recorda também o que se passou ao longo do século XX nos campos de concentração nazis, estalinistas e de Pol Pot. E indigna-se perante a tortura no século XXI, em França e nos EUA, que ousa cruzar a linha de separação entre a “cultura democrática mítica” e a “mais clássica barbárie”, o que vê como “da ordem da abominação e da denegação prática e ideal da democracia”. A “História”, para o pensador, “é o eterno e nunca gasto combate para separar em nós e no mundo o que nos humaniza do que nos remete para a condição impensável mas nunca extinta do inumano”.

José Sócrates, Lula da Silva e Eduardo Lourenço têm obviamente razão e a maioria de nós reconhece-se nas suas palavras e sentimentos de indignação perante um acto tão bárbaro e inumano como a tortura. Mas infelizmente, eles e muitos de nós, vítimas do preconceito antropocêntrico e especista que domina a nossa cultura, esquecemos que a tortura de que são vítimas os seres humanos tem sido e é cada vez mais nos nossos dias uma manifestação apenas da inimaginavelmente mais ampla e cruel tortura que infligimos aos animais. Com efeito, pense-se em como são criados, (mal)tratados e abatidos os biliões de animais que anualmente usamos para nossa alimentação, vestuário, divertimento, experiências ditas científicas e trabalho. Biliões de vidas que, como as nossas, se manifestam em corpos e mentes sensíveis e vulneráveis à dor, ao medo e à angústia. Biliões de vidas que, como as nossas, aspiram à liberdade, à segurança e ao bem-estar e são arrancadas aos seus habitats naturais ou produzidas numa demência industrial para serem instrumentalizadas, violentadas, torturadas e destruídas sem a menor consideração pela sua alteridade e pelo seu estatuto de seres conscientes e sencientes. Ou seja, precisamente o mesmo, mas em muito maior escala, que atrás se definiu como a quinta-essência da tortura, expressão do “Inumano” e “acto por excelência que se assume como pura vontade do Mal, quer dizer, da negação do estatuto do Outro como outro”, que muitas vezes, como nos circos, touradas e demais espectáculos, ainda é “acompanhado pelo prazer do mesmo acto que anula o outro e em que nós nos anulamos suprimindo inocentemente a nossa essência humana”.

A Antropologia e a História mostram que a escravatura e massacre dos animais serviu de modelo inspirador aos dos humanos. Como documenta o perturbador livro do historiador Charles Patterson, Eternal Treblinka, foi a invenção das cadeias de abate industrial nos matadouros de Chicago que inspirou as cadeias de montagem de viaturas de Henri Ford e os corredores de morte em massa dos campos de concentração nazis. Como diz uma personagem de Isaac Bashevis Singer, em The Letter Writer, perante um rato morto: “Todos estes eruditos, todos estes filósofos, os dirigentes do planeta, que sabem eles de alguém como tu? Persuadiram-se de que o humano, espécie pecadora entre todas, domina a criação. Todas as outras criaturas não teriam sido criadas senão para lhe fornecer comida e peles, para ser martirizadas, exterminadas. Para estas criaturas, todos os humanos são nazis; para os animais, é um eterno Treblinka”. Como escreve o Prémio Nobel de Literatura J. M. Coetzee, em The Lives of Animals: “Permitam-me dizê-lo abertamente: nós estamos rodeados por um empreendimento de degradação, crueldade e morte que ultrapassa tudo de que foi capaz o III Reich, na medida em que o nosso empreendimento é sem fim, se autoregenera e faz vir sem cessar coelhos, ratos, galinhas e gado ao mundo com o único objectivo de os matar”.

Assim é, caros José Sócrates, Lula da Silva e Eduardo Lourenço. As nossas sociedades e as nossas democracias, com a sua mitologia da liberdade (perdida que foi a da igualdade e da fraternidade), enraízam-se hipocritamente no inferno de uma tortura, uma barbárie e um holocausto sem precedentes. As nossas sociedades e as nossas democracias, mesmo quando são um pouco menos injustas para com os humanos, continuam a ser implacáveis tiranias e ditaduras para os animais. E se é escandalosa a tortura, que bem denunciam, mais escandaloso é o silêncio a que vós, enquanto líderes de opinião, e convosco tanta gente supostamente culta e bem pensante, vota o sofrimento dos animais. Dirão talvez: “não são senão animais”. Respondo-vos com as palavras de Theodor Adorno: “Auschwitz começa quando alguém olha para um matadouro e pensa: não são senão animais”.

Os ditos quase 70 anos de paz na Europa são na verdade 70 anos de guerra e violência aberta de uma espécie apenas, a humana, contra todas as demais espécies de seres vivos, extensiva aos recursos naturais do planeta. É por isso que chegou a Hora de pôr a nu esta violência camuflada. Chegou a Hora de revelar a profunda inumanidade que se encobre nas nossas práticas e discursos humanistas. Chegou a Hora do apocalipse, que etimologicamente não quer dizer catástrofe, mas sim revelação: revelação da barbárie escondida, que é a única via para a sua superação. Chegou a Hora dos advogados e defensores dos animais, de todos os animais, humanos e não-humanos. A Hora de uma Outra Democracia: a que cuide do bem do planeta e de todos os seres vivos.





terça-feira, 1 de abril de 2014

Fernando Pessoa, Pensador da Civilização - 3 e 4 de Abril, 18h - Sala 5.2 da Faculdade de Letras


Seminário Permanente de Pensamento Português

Ciclo de conferências Fernando Pessoa, Pensador da Civilização

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Sala 5.2

Programa:

3 de Abril, 18h – Giancarlo de Aguiar - A Cultura Neo-Pagã em Fernando Pessoa: Do Incivilizável ao Paganismo Superior, António Cardiello - Figuras do limite nos escritos pré-heteronímicos.

4 de Abril, 18h - Fernando Pessoa, Agostinho da Silva e a "Mensagem": nos 80 anos da publicação da "Mensagem" e nos 20 anos da partida de Agostinho da Silva.

Renato Epifânio – Entre Agostinho da Silva e Fernando Pessoa: sobre o “Império que só poderá surgir quando Portugal, sacrificando-se como Nação, ape¬nas for um dos elementos de uma comunidade de língua portuguesa”

Paulo Borges - "É a Hora!": Pessoa, Agostinho da Silva e o novo paradigma cultural e civilizacional.

Organização do Grupo de Investigação do Pensamento Português, com o apoio da revista Todo o Mundo ENTRE Ninguém e da Associação Agostinho da Silva na sessão de dia 4 de Abril.