“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

sábado, 29 de novembro de 2014

"Quem sofre de amor é porque não ama": uma perspectiva budista sobre o amor, os relacionamentos e a sexualidade (workshop)

"Quem sofre de amor é porque não ama": uma perspectiva budista sobre o amor, os relacionamentos e a sexualidade (workshop facilitado por Paulo Borges)

30 de Novembro, 15-19h

Av. 5 de Outubro, 122, 8º esq, Lisboa

Frequentemente confundimos amor com apego, ou seja, a aspiração a tornar alguém feliz com o desejo de que alguém nos torne felizes. Daqui resultam, como sabemos por experiência própria, todo o tipo de conflitos e um imenso sofrimento nos relacionamentos humanos, sejam românticos, familiares ou outros. O workshop visa levar-nos a uma reflexão meditativa sobre a orientação dos nossos afectos e oferece a perspectiva budista sobre a questão, com alternativas para fazermos das nossas relações afectivas e do relacionamento sexual uma via para a realização plena e o autoconhecimento libertador.

Contribuição: 20 euros.

Local: União Budista Portuguesa, Av. Cinco de Outubro, n.º 122, 8.º Esq., 1050-061 Lisboa.
Contactos para inscrições: 213 634 363, 213 630 850 (das 17h00 às 21h00);
Email: sede@uniaobudista.pt

*Os participantes devem trazer roupas largas e confortáveis.

Metro: Campo Pequeno
Autocarro: 21, 38, 44,49, 54, 56, 83, 727, 732, 738,745

Paulo Borges

Nasceu em 1959. Professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ex-presidente (de 2004 a 2014) e membro da Direcção da Associação Agostinho da Silva. Sócio-fundador, ex-presidente da União Budista Portuguesa (de 2002 a 2014) e actual membro da Direcção. Vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral da Sociedade de Ética Ambiental. Cofundador e presidente do Círculo do Entre-Ser.
Autor e organizador de 40 livros de ensaio filosófico, espiritualidade, poesia, ficção e teatro, entre os quais:
O Budismo e a Natureza da Mente (com Matthieu Ricard e Carlos João Correia), 2005; Descobrir Buda. Estudos e ensaios sobre a via do Despertar, 2010; "É a Hora!"A mensagem da Mensagem de Fernando Pessoa, 2013; Quem é o meu próximo? Ensaios e textos de intervenção por uma consciência e uma ética globais e um novo paradigma cultural e civilizacional, Mahatma, 2014; O Coração da Vida. Visão, meditação, transformação integral, Mahatma, 2015.
Tenta seguir a via do Buda segundo a tradição budista tibetana Nyingma desde 1983 e tem orientado desde 1999 centenas de workshops e cursos de introdução à meditação em todo o país.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Percursos na Vida Plena - começam amanhã, 29 de Novembro, 15-19h


Os PerCursos na Vida Plena são a mais recente iniciativa do Círculo do Entre-Ser e visam preencher algumas das lacunas do ensino oficial e da cultura dominante oferecendo a todos a possibilidade de percursos por experiências e conhecimentos que contribuam para abrir a consciência e o coração, para o desenvolvimento humano integral e para uma sociedade mais desperta e fraterna na relação com a Terra e todos os seres vivos. Pretendemos questionar a percepção convencional do mundo e abrir vias para o Coração da Vida.
Os PerCursos na Vida Plena são constituídos por vários módulos ou workshops que se recomenda que sejam frequentados na totalidade, embora se possam frequentar independentemente.

29 de Novembro, 15-19h

I. O Coração da Vida. Introdução à experiência meditativa (Paulo Borges)

Vivenciaremos a experiência meditativa ou de atenção plena mediante o focar, pacificar e despertar da mente e o abrir do coração para dimensões mais profundas da consciência. Conheceremos métodos simples que nos permitirão continuar a prática, com todos os benefícios cientificamente comprovados e com o supremo benefício de mergulhar no Coração da Vida.

6 de Dezembro, 15-19h

II. Rumo a uma vida mais plena e solidária: os Cinco Treinos da Atenção Plena (Paulo Borges)

Adaptados do texto original de Thich Nhat Hanh, os Cinco Treinos da Atenção Plena constituem linhas orientadoras para o nosso desenvolvimento integral e para uma profunda mudança de paradigma na relação connosco, com todos os seres vivos e com a Terra. Vamos percorrer cinco tomadas de consciência que podem converter-nos em quem realmente somos, mediante uma via espiritual, meditativa e ética laica, transversal a crentes e não-crentes: Reverência pela Vida, Verdadeira Felicidade, Verdadeiro Amor, Escuta Profunda e Discurso Afectuoso, Nutrição e Cura.

13 de Dezembro, 15-19h

III. Despertar a essência dos sentidos (Fernando Emídio)

Num workshop destinado a crianças e adultos (pais, avós, tios…), faremos uma viagem pelos sentidos através de exercícios de atenção plena, como forma de nos ancorarmos na vivência do momento presente. Haverá momentos de reflexão, partilha e fruição de experiências conjuntas criança/adulto.

20 de Dezembro, 15-19h

IV. Meditação, stresse e saúde (Micael Inês)

Na componente teórica deste módulo conheceremos diversos estudos científicos sobre os benefícios da meditação na saúde física e mental, nas relações humanas e no bem-estar e desempenho laborais. Na componente prática experimentaremos técnicas usadas no contexto terapêutico e laboral para reduzir o stresse e optimizar a atenção plena.

10 de Janeiro, 15-19h

V. O Entre-Ser e a Essência dos Elementos (Daniela Velho)

Trabalhar com os elementos naturais em estado selvagem (Terra-Água-Ar-Fogo) permite-nos conectar com a essência da Vida e abrir espaço ao emergir de energias profundas propiciadoras de cura e regeneração. Neste workshop vamos recriar interiormente o Espaço Natural que tudo acolhe e que tudo nutre, em busca do reequilíbrio do Entre-Ser a partir das suas dimensões mais subtis.

“Penetra no coração de uma gota de água -
serás inundado por uma centena de puros oceanos.
Se examinares cuidadosamente um grão de poeira,
verás um milhão de seres inconcebíveis.
Os membros de uma mosca são como os de um elefante.
Uma centena de colheitas reside no âmago de uma semente de cevada.
As sementes de millet encerram um mundo inteiro.
As asas de um insecto desvendam um oceano.
As centelhas cósmicas repousam ocultas na pupila do meu olho
e de alguma forma o centro do meu coração
contém o Pulsar do Universo”.

~ Mahmud Shabistari

17 de Janeiro, 15-19h

VI. Ciência e espiritualidade: (in)compatíveis? (Ângela Santos)

Ciência e espiritualidade - duas abordagens diferentes na incansável tentativa de compreensão do que nos cerca e do que somos. Mas, sendo diferentes, serão também divergentes? No grande debate acerca da natureza da realidade haverá encontro ou desencontro entre elas? Dotadas de diferentes instrumentos de medida, qual antecipa qual? Qual valida qual? Recorrendo a instrumentos cada vez mais capazes, a ciência tem avançado na sua aproximação à realidade. Mas será que, ficando-nos por esta via apenas, conseguiremos um dia conhecer a verdade toda? E porque não iniciarmos, nós próprios, uma “viagem” exploratória? Porque não recorrermos ao nosso próprio equipamento? Ou seja, a esse instrumento precioso utilizado por excelência na espiritualidade: a nossa mente. Tal como um cientista faz as suas pesquisas recorrendo à tecnologia, propõe-se que utilizemos os nossos recursos internos e façamos nós próprios a observação, a exploração. No início haverá dificuldades, o instrumento não estará adaptado e é rebelde, difícil de controlar. Mas com o devido treino a afinação da ferramenta estará garantida e com ela a entrada na experiência directa dos fenómenos.

Apresentação dos facilitadores:

Paulo Borges

Nasceu em 1959. Professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ex-presidente (de 2004 a 2014) e membro da Direcção da Associação Agostinho da Silva. Sócio-fundador, ex-presidente da União Budista Portuguesa (de 2002 a 2014) e actual membro da Direcção. Vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral da Sociedade de Ética Ambiental. Cofundador e presidente do Círculo do Entre-Ser.
Autor e organizador de 40 livros de ensaio filosófico, espiritualidade, poesia, ficção e teatro, entre os quais: O Budismo e a Natureza da Mente (com Matthieu Ricard e Carlos João Correia), 2005; Descobrir Buda. Estudos e ensaios sobre a via do Despertar, 2010; “É a Hora!” A mensagem da Mensagem de Fernando Pessoa, 2013; Quem é o meu próximo? Ensaios e textos de intervenção por uma consciência e uma ética globais e um novo paradigma cultural e civilizacional, Mahatma, 2014. O Coração da Vida. Espiritualidade, meditação, acção integral, vol. I, Mahatma, 2014.
Tenta seguir a via do Buda segundo a tradição budista tibetana Nyingma desde 1983 e tem orientado desde 1999 centenas de workshops e cursos de introdução à meditação em todo o país.

Fernando Emídio

Nasceu a 20 de dezembro de 1974, em Mirandela.
Formou-se na área de educação, tem exercido sempre funções de professor do 1.º ciclo do ensino básico, tendo passado também pela educação de adultos. Atualmente exerce funções de coordenador pedagógico do 1.º ciclo num Agrupamento de Escolas.
Há vários anos que se interessa pela aplicação de práticas contemplativas na educação, tendo feito formação nessa área, nomeadamente nos programas MindUp (The Hawn Foundation) e Still Quiet Place (Dr. Amy Saltzman). Tem sido responsável por aplicar um programa de desenvolvimento de competências sócio-emocionais, baseado na atenção plena (MindUp) aos alunos do 1.º ciclo do Agrupamento onde lecciona.

Desde 2009 que dinamiza em conjunto com Micael Inês o Núcleo de Estudo do Dharma de Leiria. É cofundador do Círculo do Entre-Ser.
Tenta ser praticante de meditação e viver de acordo com os valores universais do Dharma do Buda.

Micael Inês

Enfermeiro no Serviço de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar de Leiria, EPE. Membro da Comissão de Humanização do Centro Hospitalar de Leiria, EPE. Membro do Círculo do Entre-Ser. Cofundador do Núcleo de Estudo do Dharma de Leiria.
Pratica meditação desde 2008.

Ângela Santos

Professora no Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Apaixonada pelo mistério da Vida, frequentou o curso “O Universo e o Plano Divino” no Centro Lusitano de Unificação Cultural e o Curso de Especialização “Filosofia e Estudos Orientais“ na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
É praticante de meditação e tenta seguir a via do Dharma do Buda conforme a tradição do budismo Tibetano. É cofundadora e presidente da Assembleia-Geral do Círculo do Entre-Ser.

Daniela Velho

Nasceu em 1976. Cofundadora e Vice-presidente do Círculo do Entre-Ser. Vice-presidente da Assembleia-Geral da União Budista Portuguesa. Membro associado da SEA - Sociedade de Ética Ambiental. Jurista.
Praticante do Dharma do Buda (Tradição Nyingma do Budismo Tibetano) desde 2010. Praticante regular de meditação desde 2010.
Procura orientar a sua vida por valores de amor e compaixão universal numa tentativa de aprofundamento e expansão da consciência com base na compreensão da interdependência de todos os fenómenos. Procura cultivar um espírito vivo, indagador e de compreensão intuitiva do mundo.

Local: Av. 5 de Outubro, 122 – 8º esq. - Lisboa

Inscrições: percursosvidaplena@circuloentreser.org / 213634363 (depois das 17h)

Informações sobre os PerCursos:
pauloaeborges@gmail.com

Contribuição:

Totalidade dos módulos: 100 euros; módulos separados: 20 euros, com excepção do módulo III - 1 criança (10€) + 1 adulto (15€) = 25€; 1 criança (10€) + 2 adultos (25€) = 35€.

Há limite de inscrições e uma real indisponibilidade financeira não é impeditiva.

Serão emitidos certificados de participação a quem frequente a totalidade do PerCurso.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A grande tarefa política é transcender e dispensar a política

A grande limitação da política, ou pelo menos da política tradicional e convencional, seja de esquerda, centro ou direita, partidária ou não, é o de girar sempre em torno da conquista, exercício ou influência do poder, institucional ou não, estatal, cultural ou mediático. E outra grande limitação é tender sempre a ser antropocêntrica, pois é coisa da “polis”, da cidade ou sociedade dos humanos, que se ficciona separada da comunidade natural e cósmica e trata como escravos os animais e a Terra.

Da primeira orientação vem a importância, desde a Ágora grega até aos actuais espectáculos eleitorais e parlamentares, do debate público entendido como combate para vencer o adversário e colher votos e apoios. Daí a centralidade da oratória e da retórica que visa a persuasão, o convencer os outros de que se tem razão para se ter poder, o que, porque raramente funciona (porque os outros também pretendem ter razão e poder e porque o que move as supostas “razões” de uns e outros são quase sempre os desejos e interesses egocêntricos, individuais e grupais), conduz frequentemente à corrupção, mentira, calúnia e difamação, quando não à agressão física e ao assassínio. A essência oculta ou patente da política tradicional é o combate e a violência.

E este é o problema. Porque é a desconexão e a consequente luta pelo poder, do humano sobre o humano, os animais e o mundo, que está no centro da actual crise da civilização. O maior problema da política tradicional é ela mesma. É por isso que não o pode resolver e precisamos de outra coisa. Não de política, no sentido habitual, mas da experiência social do despertar e da expansão da consciência amorosa e compassiva. Que nasce não do “poder” entendido como domínio sobre o outro - o que é uma forma de auto-escravização, pois o tirano também é escravo da sua tirania - , mas do poder de ser, aqui-agora, simultaneamente livre de todos os poderes e inseparável dos outros, de todas as formas de vida, não visando por isso dominar quem quer que seja. Não visando servir-se, mas antes servir: o sentido antigo da palavra “ministro”.

A grande tarefa política é na verdade micropolítica e metapolítica: organizar a república da mente e do coração mediante a atenção plena a si, de modo a assegurar o bom governo de cada um pelo melhor de si mesmo, e transcender e dispensar a política em sociedades humanas cada vez mais despertas, fraternas e abertas à comunidade cósmica, mediante a atenção plena à interdependência com todo o outro, humano e não-humano. Sociedades humanas que estendam a todos os seres e entidades naturais a categoria de “próximo” e que se organizem não para manter e reproduzir uma vida alienada, mas para promover uma vida boa e plena, para humanos e não-humanos, em harmonia com a Terra. O que começa por abrir e expandir espaços de vida desperta, solidária e liberta, sendo o primeiro de todos o da própria consciência. Pequenos grupos de afinidade que se associem e expandam, comunidades em transição, germes de criatividade e libertação num mundo de instituições cada vez mais decadentes, atrofiadas e destrutivas por falta da verdadeira inteligência: a da interconexão, do amor e da compaixão.

O fim da civilização humanista e antropocêntrica e os novos/velhos riscos

Um dos sinais mais evidentes do fim da civilização humanista e antropocêntrica, pelo menos na sua versão europeia-ocidental, é que o ser humano está desiludido, cansado e desgostoso de si e já não acredita em si mesmo. Apesar de se comportar ainda, por medo, hábito e inércia, como um deus na terra, no fundo prefere tudo a si próprio: os animais, a natureza, os astros, os espíritos, os deuses, Deus. O ser humano, na verdade, começa enfim a ver que ele próprio não existe em si e por si, que a sua identidade nada é senão em relação de estreita interdependência com essas formas de alteridade. Isto é positivo, em termos de abertura da consciência, mas o risco é absolutizar uma ou várias destas alteridades e acreditar que elas possam também existir em si e por si. O risco é sair do obscurantismo humanista e antropocêntrico para cair nas sombras animalistas, naturalistas, astrológico-deterministas, animistas, politeístas ou monoteístas. O risco é manter-se a ilusão de que há algum centro ou domínio privilegiado da realidade e algo a que nos agarrarmos. O risco é não despertarmos para a liberdade do grande vazio luminoso e compassivo que se ri de todas as quimeras da mente.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

"Quem sofre de amor é porque não ama": uma perspectiva budista sobre o amor, os relacionamentos e a sexualidade (workshop)

"Quem sofre de amor é porque não ama": uma perspectiva budista sobre o amor, os relacionamentos e a sexualidade (workshop facilitado por Paulo Borges)

30 de Novembro, 15-19h

Av. 5 de Outubro, 122, 8º esq, Lisboa

Frequentemente confundimos amor com apego, ou seja, a aspiração a tornar alguém feliz com o desejo de que alguém nos torne felizes. Daqui resultam, como sabemos por experiência própria, todo o tipo de conflitos e um imenso sofrimento nos relacionamentos humanos, sejam românticos, familiares ou outros. O workshop visa levar-nos a uma reflexão meditativa sobre a orientação dos nossos afectos e oferece a perspectiva budista sobre a questão, com alternativas para fazermos das nossas relações afectivas e do relacionamento sexual uma via para a realização plena e o autoconhecimento libertador.

Contribuição: 20 euros.

Local: União Budista Portuguesa, Av. Cinco de Outubro, n.º 122, 8.º Esq., 1050-061 Lisboa.
Contactos para inscrições: 213 634 363, 213 630 850 (das 17h00 às 21h00);
Email: sede@uniaobudista.pt

*Os participantes devem trazer roupas largas e confortáveis.

Metro: Campo Pequeno
Autocarro: 21, 38, 44,49, 54, 56, 83, 727, 732, 738,745

Paulo Borges

Nasceu em 1959. Professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ex-presidente (de 2004 a 2014) e membro da Direcção da Associação Agostinho da Silva. Sócio-fundador, ex-presidente da União Budista Portuguesa (de 2002 a 2014) e actual membro da Direcção. Vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral da Sociedade de Ética Ambiental. Cofundador e presidente do Círculo do Entre-Ser.
Autor e organizador de 40 livros de ensaio filosófico, espiritualidade, poesia, ficção e teatro, entre os quais:
O Budismo e a Natureza da Mente (com Matthieu Ricard e Carlos João Correia), 2005; Descobrir Buda. Estudos e ensaios sobre a via do Despertar, 2010; "É a Hora!"A mensagem da Mensagem de Fernando Pessoa, 2013; Quem é o meu próximo? Ensaios e textos de intervenção por uma consciência e uma ética globais e um novo paradigma cultural e civilizacional, Mahatma, 2014; O Coração da Vida. Visão, meditação, transformação integral, Mahatma, 2015.
Tenta seguir a via do Buda segundo a tradição budista tibetana Nyingma desde 1983 e tem orientado desde 1999 centenas de workshops e cursos de introdução à meditação em todo o país.

domingo, 23 de novembro de 2014

Prenderam José Sócrates. E os outros? E nós?

Prenderam José Sócrates para investigação. Com um tal mediatismo e juízo em praça pública que não deixa de levantar fortes suspeitas de mais uma manobra político-partidária, independentemente da sua eventual culpa. Prenderam José Sócrates para investigação. E os outros? Toda a casta de políticos e administradores profissionais que têm enriquecido à custa da política? Quando são investigados? E todos nós, que passamos a vida a condená-los, como se fôssemos um espelho de virtudes? Quando é que nos "prendemos" e investigamos a fundo e vemos toda a nossa responsabilidade, passiva e activa, pelo estado de corrupção generalizada em que está o país? Se víssemos as coisas profundamente, talvez descobríssemos que aquilo de que se acusa José Sócrates e outros é o que impera no estilo de vida dominante de toda uma sociedade. Sim, porque os governos e os líderes são um espelho das sociedades e das nossas consciências. O que temos nós feito para termos um país diferente? O que temos nós feito pelo bem comum? O que temos nós feito senão zelar pelas nossa vidinhas egoístas? Não é isso que fazem os “políticos” que tanto condenamos, só que a uma escala maior porque têm mais poder? Como podemos então acusá-los, como se estivéssemos inocentes? À medida que formos mais justos e virtuosos a sociedade também o será e os políticos e partidos de que agora nos queixamos deixarão pura e simplesmente de ser credíveis e até possíveis. Até lá, não tenhamos a arrogância de nos julgarmos muito diferentes.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Quanto mais interessados mais aborrecidos

Como Charles Eisenstein escreve algures, a partir do século XVII proliferaram no vocabulário das línguas ocidentais as expressões “interessado” e “aborrecido”. Com efeito, quanto mais interessados estamos em algo especial e em especial, mais a atenção e o desejo se prendem e limitam a isso e mais dependente fica o contentamento de que isso esteja ou não presente. Quanto mais interessados estamos nisto ou naquilo, menos interessados estamos em tudo o demais e sobretudo na simples e constante experiência de ser, menos interessados estamos no próprio “inter-esse” (que, literalmente, indica o “estar entre” ou o que nos introduz no ser), menos fruímos o que sempre acontece e mais alimentamos a expectativa de que algo diferente e novo corresponda aos nossos sedentos desejos particulares. E assim tudo o que não lhes corresponde se torna banal, insípido e nos aborrece: o ser, o estar vivo, o respirar, os outros, o céu e a terra, a dança do mundo e da vida. O problema é que mesmo os nossos interesses particulares acabam por se tornar rotineiros e aborrecidos, porque na verdade o que neles procuramos é sempre outra coisa: o maravilhamento que perdemos ao deixar de nos maravilhar com tudo. Não é por acaso que isto se tenha avolumado desde o século XVII, quando a modernidade definitivamente se instalou sacrificando de vez o espanto ante o mistério do mundo ao desejo de novidades e estímulos, de viajar, conhecer e dominar novas terras e gentes e de fazer e produzir coisas. Todos somos seus filhos: turisticamente interessados por tudo, com tudo entediados e com nada satisfeitos. A sociedade da produção, do cansaço e da depressão, como diz Byung-Chul Han. Mas a alternativa, se foi por nós abandonada, nunca nos abandonou: desinteressar-se do falso prestígio das coisas, dos acontecimentos e das pessoas “interessantes”, quebrar o sortilégio da sua sedução e redespertar para o infinito pasmo de todas as coisas, por mais ínfimas – uma brisa, a poeira do caminho, uma flor, o olhar atónito de um animal, o vago prenúncio de uma carícia, uma nuvem, um... o estarmos aqui-agora... o não sei quê disto tudo...

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Uma experiência que mudou uma vida


Jack Kornfield relata deste modo a experiência de um amigo activista e jornalista palestiniano, Salam, ao ser espancado por um guarda prisional israelita:

“Uma tarde, após haver sido violentamente espancado, o seu corpo jazia no chão da prisão e ele estava a ser pontapeado por um guarda particularmente cruel. Sangue jorrava da sua boca e, como afirmou mais tarde o relatório policial, as autoridades acreditaram que estava morto.

Ele recorda a dor de ser espancado. Então, como é frequentemente relatado por vítimas de acidente e de tortura, sentiu a sua consciência deixar o seu corpo e flutuar até ao tecto. Primeiro era pacífico e calmo, como num filme mudo, enquanto via o seu próprio corpo deitado em baixo a ser pontapeado. Era tão pacífico que ele não sabia o que era todo aquele espalhafato. E depois Salam descreve como, de um modo notável, a sua consciência se expandiu mais. Ele soube que era o seu corpo que estava deitado em baixo, mas agora sentiu que ele era também a bota pontapeando o corpo. Ele era também a descascada pintura verde nas paredes da prisão, a cabra cujo som podia ouvir-se lá fora, a sujidade debaixo das unhas do guarda – ele era a vida, toda ela e a consciência eterna dela toda, sem separação. Sendo tudo, jamais podia morrer. Todos os seus medos se desvaneceram. Tomou consciência que a morte era uma ilusão. Um bem-estar e uma alegria para além de qualquer descrição abriram-se nele. E então surgiu uma espontânea compaixão pela espantosa loucura dos humanos, crendo que estamos separados, apegando-se a nações e fazendo guerra.

Dois dias mais tarde, como Salam o descreve, recuperou a consciência num corpo magoado e espancado no chão de uma cela, sem medo ou remorso, apenas assombro. A sua experiência mudou todo o seu sentimento da vida e da morte. Recusou continuar a participar em qualquer forma de conflito. Quando foi libertado, casou com uma mulher judia e teve filhos palestiniano-israelitas. Essa, disse, foi a sua resposta à disparatada demência do mundo”

~ Jack Kornfield, The Wise Heart, 2009, pp.42-43.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A grande tarefa política é metapolítica: transcender e dispensar a política

A grande limitação da política, seja de esquerda, centro ou direita, partidária ou não, é o de girar sempre em torno da conquista, exercício ou influência do poder, institucional ou não, estatal, cultural ou mediático. E outra grande limitação é ser sempre antropocêntrica, pois é coisa da “polis”, da cidade ou sociedade dos humanos, que se ficciona separada da comunidade natural e cósmica e trata como escravos os animais e a Terra. Daí vem a importância, desde a Ágora grega até aos nossos espectáculos eleitorais e parlamentares, do debate público entendido como combate para vencer o adversário e colher votos e apoios. Daí a importância da oratória e da retórica que visa a persuasão, o convencer os outros de que se tem razão para se ter poder, o que, porque nunca funciona (porque os outros também pretendem ter razão e poder), conduz inevitavelmente à corrupção, à mentira, à calúnia e à difamação, quando não à agressão física e ao assassínio. A essência oculta ou patente de toda a política é o combate e a violência. E este é o problema. Porque é a desconexão e a consequente luta pelo poder, do humano sobre o humano, os animais e o mundo, que está no centro desta crise de civilização. O maior problema da política é a própria política. É por isso que ela não o pode resolver e precisamos de outra coisa. Não de política, mas da experiência social do despertar e da expansão da consciência e do amor. Que nasce do poder de ser, aqui-agora, inseparável dos outros, de todas as formas de vida, e por isso não visa o poder como domínio sobre quem quer que seja. A grande tarefa política é metapolítica: transcender e dispensar a política em sociedades humanas cada vez mais despertas, fraternas e abertas à comunidade cósmica. O que começa por abrir e expandir espaços de vida desperta, solidária e liberta, a começar pelo espaço da própria mente. Pequenos grupos de afinidade, microcomunidades em transição, germes de criatividade e libertação num mundo de instituições cada vez mais decadentes, atrofiadas e destrutivas: as políticas e todas as demais.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Ser "culto" é muitas vezes o fim da Cultura

Outrora havia muitos analfabetos, que não sabiam ler nem escrever línguas humanas, mas ainda podiam ler e comunicar os sinais das coisas vivas: o pulsar da terra, os avisos do vento, as metamorfoses das nuvens, os ritmos das águas, o brilho dos astros, as expressões das pedras, as emoções das plantas, os sentimentos dos animais, as solicitações dos espíritos, os fluxos do invisível. Hoje há cada vez menos desses analfabetos, mas superabundam os analfabetos letrados e diplomados que só sabem ler, escrever e comunicar palavras (e mesmo assim dificilmente), mas ignoram de todo as múltiplas línguas e linguagens em que os seres e as coisas do mundo constantemente nos falam e comunicam. Ser “culto” é muitas vezes o fim da Cultura.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

"Fazer acontecer", "produzir"?

Não se mudará o paradigma enquanto se pensar em termos de “fazer acontecer”, “produzir pensamento” ou outra coisa e se quiser organizar, regulamentar, avaliar e controlar tudo. Esse é o paradigma voluntarista, produtivista, economista, empresarial e tecnocrático da civilização industrial e do esclavagismo trabalhista que está a entrar em colapso, destruindo o planeta e a vida. Quem assim fala mostra que vive enfeitiçado pelos ritmos do formigueiro antropocêntrico, permanecendo à superfície das regiões profundas do ser onde tudo emerge em fluxo autorregulador, espontâneo e livre. Quem assim fala porventura faz coisas, mas não age. Quem assim fala porventura produz pensamentos, mas não pensa. Quem assim fala porventura produz textos, mas não escreve. Quem assim fala porventura “faz amor”, mas não ama. Quem assim fala, pertence ao passado, por mais que fale em futuro. Quem assim fala, mais valia estar calado.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Não te compares

Não te engrandeças nem diminuas. Não te superiorizes, inferiorizes ou iguales. Não te compares. Nada temos a ver com o que a mente imagina que somos. Porque a mente mente na medida em que mede o que não tem medida (a raiz indo-europeia de “mente”, màn-, significa “medir”). A mente compara, avalia e julga. Mas ser é sem medida e para além de qualquer valor ou juízo. Ser é sem par e sem juízo. Por isso as crianças e os loucos são infinitamente mais sábios do que toda esta humanidade previsível, sensata e aborrecida.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

De como as culturas são sistemas de limitação da consciência


“(…) a maioria das nossas vidas gasta-se numa realidade consensual, que especialmente talhou e selectivamente percepcionou um segmento de realidade construído do espectro do potencial humano. Somos simultaneamente os beneficiários e as vítimas da nossa cultura. Ver as coisas de acordo com a realidade consensual é bom para manter em conjunto uma cultura, mas um obstáculo maior à compreensão pessoal e científica da mente.

Uma cultura pode ser vista como um grupo que seleccionou certos potenciais humanos como bons e os desenvolveu, rejeitando outros como maus. Internamente isto significa que certas experiências possíveis são encorajadas e outras suprimidas para construir um estado “normal” de consciência que seja eficaz em e ajude a definir a particular realidade consensual da cultura”

- Charles T. Tart, States of Consciousness, 2000, pp.33-34.

Somos normais?

E se a base daquilo que consideramos o estado normal de consciência, o vermo-nos como indivíduos separados uns dos outros, dos demais seres e do mundo, fechados nos limites da pele e do cérebro, não fosse senão um estado alterado de consciência, um transe, uma bebedeira ou um sonho social e colectivo que a pouco e pouco se instalou sem darmos por isso e ao qual nos habituámos como real? Um transe no qual a consciência diminui e se atrofia em vez de abrir e se expandir? E se estivéssemos mais mortos que vivos nesta vida mesquinha e limitada que achamos ser a única possível? E se a grande mudança não puder ser outra senão a da percepção que temos de nós, dos outros e do mundo? E se, sem mudar isso, pretender mudar o mundo exteriormente não for senão uma pura impossibilidade? Estaremos preparados para reconhecer que, quanto mais normais achamos que somos, mais louca é a trip, a embriaguez ou o delírio em que vivemos? Admitir a mera possibilidade disto é já o início do despertar...