“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Depoimento de Matthieu Ricard de apoio à Carta pela Compaixão Universal lançada pelo Círculo do Entre-Ser

Mãe Terra

Todos os nossos problemas e o risco de um colapso ecológico-social sem precedentes radicam na nossa desconexão com a Terra e com a comunidade dos seres vivos, com a biosfera e com o unimultiverso. Uma desconexão irreal, pois o ser humano não existe em si e por si, desintegrado dos fluxos de matéria, energia e consciência que constituem tudo quanto existe. Somos feitos dos mesmos elementos que constituem todos os seres e coisas, mas a ficção da separação, com o medo, a insegurança, a avidez e a hostilidade daí decorrentes, determinou uma evolução social e individual em que, sobretudo no actual paradigma de civilização globalizado, nos vemos como os donos do planeta com direito a explorar os seus recursos naturais e a comunidade dos seres vivos a nosso bel-prazer, para satisfazer não só as nossas necessidades, mas sobretudo os nossos desejos e caprichos mais fúteis. Da crença na existência independente da humanidade passou-se para a atribuição de valor intrínseco apenas ao ser humano, considerando-se a natureza e os demais seres vivos como dotados de mero valor instrumental, dependente da sua utilidade para a realização das finalidades humanas. Isso traduz-se hoje na nova religião laica do crescimento económico a todo o custo, que ignora a sua impossibilidade num planeta com recursos naturais finitos e tem dominado as políticas governamentais de esquerda, centro e direita, conduzindo-nos à poluição, às alterações climáticas e à destruição massiva e acelerada da biodiversidade e dos ecossistemas que relatórios científicos isentos mostram compor um quadro de insustentabilidade e de risco de colapso iminentes, para além do sofrimento causado a incontáveis seres humanos e não-humanos.

Perante isto, mais do que reformas pontuais e isoladas, é urgente ir à raiz do problema e mudar o estado de consciência dominante. Importa promover uma consciência vivida – pelos métodos contemplativos e meditativos e pelo alargamento amoroso e compassivo da noção de “próximo” a tudo o que existe, vive e sente – da inseparabilidade entre a vida humana e as demais formas de vida no seio da nossa Mãe comum, a Terra, da biosfera e do unimultiverso. Só esta profunda mudança espiritual – aliada ao reconhecimento da insustentabilidade do paradigma dominante em termos sociais, económicos e ambientais – pode conduzir a uma mudança estrutural das nossas vidas e das nossas sociedades, bem como a uma reconversão profunda da cultura, da economia e da política, colocando-as ao serviço de uma noção ampla de Bem Comum, já não o de uma única espécie, a humana, mas o de todos os seres vivos, da Terra e da biosfera como um todo inseparável. Daí decorrerá também a mudança jurídica que se impõe, que deve consagrar o valor intrínseco não só do ser humano, mas de todas as formas de vida e da própria Terra, que não podem continuar a ser consideradas mera propriedade que se pode explorar e rentabilizar ilimitadamente. Na verdade, a Mãe Terra não pertence ao ser humano, sendo antes a matriz comum que origina e nutre igualmente todas as vidas que nela surgem de modo interdependente, intimamente ligadas a si e entre elas. Como fundamento dos seus próprios direitos, o ser humano tem o dever de respeitar, proteger e promover a integridade da Terra e de todos os viventes.

Só uma consciência e uma cultura do entre-ser permite reconhecer, respeitar e preservar este cordão umbilical que jamais se pode cortar e que podemos experimentar na própria respiração, pela qual continuamente inspiramos e expiramos e somos inspirados e expirados pelo alento vital que impregna e circula por todos os seres e coisas. O ar e todas as energias, densas e subtis, são como o sangue e o espírito da Terra e da biosfera, pelos quais somos inseparáveis do infinito corpo do unimultiverso e da Vida em todas as suas manifestações. Saibamos respirar e ser respirados e tudo será diferente.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Teremos política?


“Filosofia e política nascem juntas. (...) Quando digo filosofia não me refiro a sistemas, nem a livros, nem a raciocínios escolásticos. Trata-se primeiro e antes de tudo do questionamento da representação instituída do mundo, do questionamento dos ídolos da tribo no horizonte de uma interrogação ilimitada. Quando digo política não falo de eleições municipais nem presidenciais; a política, no verdadeiro sentido do termo, é o questionamento da instituição efectiva da cidade, é a actividade que trata de encarar lucidamente a instituição social como tal”

- Cornelius Castoriadis, “Natureza e valor da igualdade”.

Teremos política? Temos Estado, sociedade, instituições culturais, políticas e económicas, presidente, governo, partidos e eleições, mas teremos realmente política? Temos realmente um questionar autêntico, desinteressado e profundo do sentido de haver Estado, sociedade, instituições, presidente, governo, partidos e eleições? Interrogamo-nos verdadeiramente sobre o sentido, a finalidade e a orientação de tudo isto? Ou limitamo-nos, mesmo quando nos presumimos diferentes e alternativos, a reproduzir a representação instituída do mundo e a venerar antigos e novos ídolos da tribo, na ausência de horizonte de uma completa recusa de os/nos interrogarmos? Paga-se muito caro a recusa da filosofia, porque sem ela tudo se esvazia em acção irreflectida ao serviço de rotinas ou de interesses pouco confessáveis, sobretudo quando disfarçados de idealismo e do serviço de causas nobres.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Após estes dias de consumo febril, somos mais felizes?


Sejamos sinceros. Após estes dias de consumo febril (mesmo em tempo de “crise”), atingimos realmente o nosso objectivo, sermos mais felizes? É evidente que gastámos mais dinheiro, que enriquecemos ainda mais as grandes corporações e que fomos cúmplices do trabalho escravo em muitos pontos do mundo, que poluímos e lançámos mais lixo para o planeta que levará séculos a ser reabsorvido, que chacinámos e devorámos milhões de animais, que contribuímos ainda mais para as alterações climáticas, que degradámos mais ainda o planeta que vamos deixar aos nossos filhos e netos... Mas ao menos, ainda que isso fosse uma justificação, somos hoje mais felizes?

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Retiro de Meditação no Coração da Vida (com Paulo Borges)


Seminário da Torre da Aguilha
Carcavelos
2 a 4 de Janeiro de 2015

A mudança de ano, solar ou lunar, é sempre o fim de um ciclo energético e o início de outro e uma excelente oportunidade para mudar e evoluir. A finalidade deste Retiro é vivenciar plenamente o “Ano novo, Vida nova”, reconhecendo os nossos padrões habituais de confusão, medo, avidez e agressão e deixando de nos identificar com eles, aprendendo modos de transformar a sua energia na experiência da nossa natureza original. Para este fim, será dado um particular destaque ao conhecimento dos cinco padrões energéticos fundamentais que se manifestam na nossa vida e em todas as coisas, conhecidos como as “cinco famílias de Buda”: Buda (espaço), Vajra (clareza), Ratna (riqueza), Padma (paixão) e Karma (acção). Conheceremos as suas manifestações confusas e aprenderemos a transformá-las nas cinco sabedorias que são a sua natureza sã e profunda, como forma de vivermos mais plenamente no Coração da Vida.

Programa:

Dia 2 – 6ª feira

18.00 – 20.00 - Chegada e acomodação.

20.00 – 21.30 – Jantar

21.30 – 22.30 – Introdução ao sentido do Retiro. Ano novo, Vida nova. Retirar-se da confusão, do medo, da avidez e da agressão e experienciar a nossa natureza sagrada e primordial, pelo bem de todos os seres.

Dia 3 – Sábado

07.30 – 09.00 – Introdução à experiência meditativa, introdução à realidade e à liberdade: Aqui-Agora.

09.00 – 10.00 – Pequeno-almoço

10.00 – 13.00 (com intervalo) – Sessões teórico-práticas de meditação sentada e em andamento. Shamatha – Pacificar a mente na atenção plena às sensações físicas, à respiração, ao fluxo das emoções/pensamentos e aos fenómenos externos. RAIN: reconhecer, aceitar, investigar, não se identificar.

13.30 – 14.30 – Almoço

15.30 - 18.30 (com intervalo) – Quem realmente somos? Reconhecer e aprender a lidar com a nossa actual matéria-prima. Introdução aos três tipos de personalidade e às cinco famílias de Buda, os cinco padrões energéticos do nosso potencial de desenvolvimento e despertar.
Sessões teórico-práticas de meditação sentada e em andamento. Shamatha – Pacificar a mente na atenção plena ao estar consciente. Introdução a vipashyana: despertar a mente e ver a natureza impermanente, interdependente e insatisfatória de todos os pensamentos, emoções e preocupações. Contemplar a natureza da consciência, livre de identificações, apego e aversão.

19.30 – 20.30 – Jantar

21.30 – 23.00 – Entrar na Festa do Coração da Vida. Transmutar toda a ilusão, carência e negatividade nas quatro meditações ilimitadas: amor, compaixão, alegria e imparcialidade - a troca ou tonglen. Abandono do falso eu e celebração de um renascimento desperto, amoroso e compassivo com todos os seres e a Terra.

Dia 4 – Domingo

07.30 – 09.00 – Sessão de meditação. Revisão e aprofundamento do dia anterior: Shamatha, vipashyana e tonglen.

09.00 – 10.00 – Pequeno-almoço

10.00 - 13.00 (com intervalo) – Aprofundamento do estudo e reconhecimento das cinco famílias de Buda. Exercícios de transformação das suas manifestações confusas nas cinco sabedorias primordiais.

13.30 – 14.30 – Almoço

15.30 - 18:00 – A visão pura de todos os fenómenos. Meditação com visualização e mantras. Regressar à vida quotidiana com um espírito desperto, criativo, amoroso e compassivo.

O retiro será facilitado por Paulo Borges. Tentando praticar a via do Buda desde 1983, tem orientado desde 1999 workshops, cursos e retiros de introdução teórica e prática ao budismo e à meditação. Professor de Filosofia na Universidade de Lisboa. Cofundador, ex-presidente da União Budista Portuguesa (2002-2014) e actual membro da Direcção. Cofundador e presidente do Círculo do Entre-Ser. Tradutor de textos budistas, como Estágios da Meditação, de Sua Santidade o Dalai Lama (2001), o Livro Tibetano dos Mortos (2006) (com Rui Lopo), A Via do Bodhisattva, de Shantideva (2007), O Caminho da Grande Perfeição, de Patrul Rinpoche (2007) e O que não faz de ti um budista, de Dzongsar Jamyang Khyentse (2009). Entre outras obras é autor de O Budismo e a Natureza da Mente (com Matthieu Ricard e Carlos João Correia, 2005), de Descobrir Buda. Estudos e ensaios sobre a via do Despertar (2010), de Quem é o meu Próximo? Ensaios e textos de intervenção por uma consciência e uma ética globais e um novo paradigma cultural e civilizacional (2014) e de O Coração da Vida. Visão, meditação, transformação integral (2015).

Contribuição: 140 ou 160 euros, consoante a disponibilidade (110 euros: estadia e refeições; 30 ou 50 euros: organização, orientação e actividades do retiro).
10% dos lucros será oferecido a uma associação humanitária, de defesa dos animais ou do ambiente.

Atenção:

- Pode obter informações por telefone (918113021) ou e-mail (pauloaeborges@gmail.com) e é necessário inscrever-se por mail confirmando a inscrição com a transferência de metade do valor em causa até ao dia 29 de Dezembro para o NIB 0010 0000 48372440001 68. Mail para inscrições: retiros@circuloentreser.org
- Convém trazer roupas confortáveis, uma almofada, um tapete e um bloco de notas.
- O evento é aberto a todos e não implica nenhum conhecimento teórico ou prático de meditação.
- As refeições serão vegetarianas.
- Antes de cada refeição será feita uma oferenda dos alimentos para saciar a fome e sede físicas e espirituais no mundo e os primeiros 15m decorrerão em silêncio, para cultivarmos a atenção plena, apreciarmos melhor os sabores dos alimentos e desenvolvermos gratidão por todos aqueles que para eles contribuíram.
- O retiro só se realizará com um mínimo de 10 participantes.

Localização:

Sair da A5 para Carcavelos e voltar à direita, caso venha na direcção Lisboa-Cascais

Inscrições:
retiros@circuloentreser.org

Site do CES:
Página no Facebook: https://www.facebook.com/CirculoEntreSer?ref=ts&fref=ts

Organização: Círculo do Entre-Ser, com o apoio da União Budista Portuguesa

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Fazer da mentalidade partidária uma peça de museu da evolução da consciência

Em Portugal e no mundo há partidos para tudo. Uns estão ao serviço dos mais pobres, outros dos mais ricos. Uns defendem alguns animais, outros defendem a natureza (de modo a que continue a ser explorada pela humanidade). Uns são nacionalistas, outros internacionalistas. Todos querem mudar alguma coisa, desde que tudo fique na mesma. Nenhum quer mudar tudo. Porque nenhum quer mudar integralmente o ser humano, nenhum quer mudar a consciência e a vida, nenhum quer Outra Coisa: um novo Ser Humano e um Novo Mundo. E nenhum quer isso porque nos partidos não há ou escasseiam e são rapidamente trucidadas pessoas que tenham vistas largas e aspirem à plena transformação de si e do mundo, pessoas que visem o despertar integral da consciência e o viver em conformidade. É por isso que estas recusam e fogem das cercas ideológicas e dos rebanhos das quintas partidárias. Aspirar a uma mudança global e estrutural da consciência e da vida é demasiado para a estreiteza e superficialidade dos partidos políticos e das preocupações imediatas das populações de cujos votos dependem para terem o tacho dos deputados e das subvenções a que todos igualmente aspiram. Isso porventura é demasiado para a política, sempre que se reduz à “arte do possível” para os que não visam o impossível e assim se converte na arte da mediocridade. Porém “só há homem, quando se faz o impossível”, como disse Agostinho da Silva. E acrescentou: “Partido é uma parte: sê inteiro”. Despertar para o desafio de ser inteiro é dar o primeiro passo para realizar o impossível e fazer da mentalidade partidária – na política, na religião ou onde quer que seja – uma peça de museu da evolução da consciência.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A essência do nosso tempo é a ejaculação precoce. Felizes os raros que ainda cultivam a arte do silêncio, do pasmo e da lentidão.


Nesta sociedade de obsessão narcisista com a visibilidade, a eficácia e o imediato, há cada vez menos lugar para o Eros, para a lenta e morosa relação com o íntimo, o secreto e o profundo, para a aspiração de ir além da forma, das imagens e das palavras e acariciar os luxuriantes e silenciosos recônditos do mundo, para os olhos e asas bem abertos na demanda e no espanto ante esse não sei quê palpitante em tudo o que jamais acontece. A essência do nosso tempo é a prostituição e a pornografia, não tanto a das ruas e bordéis ou dos filmes, vídeos e revistas, mas a da pressa e incontinência publicitária, política, tecnológica e mediática, a deste formigueiro esquizofrénico de subgente acotovelando-se por aparecer, ser visível, tornar-se conhecida, ter opinião, vender-se, consumir e ser consumida, inscrever o seu nome de nada nos fogos fátuos das notícias, dos palcos e das tribunas, bolas de sabão e castelos de areia logo desfeitos pelos ventos e marés da vida. A essência do nosso tempo é a ejaculação precoce. Felizes os raros que ainda cultivam a arte do silêncio, do pasmo e da lentidão.

Imagem: Eros e Psique, de Antonio Canova

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

1492 foi uma data trágica para a humanidade

O ano de 1492 foi uma data trágica para a humanidade: os Judeus e os Árabes foram expulsos de Espanha (D. Manuel expulsou os Judeus de Portugal em 1496-1497); Colombo descobriu a América e iniciou a era colonial que destruiu inúmeras culturas e globalizou o paradigma civilizacional europeu que hoje ameaça o planeta com um colapso ecológico-social sem precedentes; a civilização partilhada por Judeus, Cristãos e Muçulmanos começou a fraccionar-se em esferas cada vez mais separadas, com todas as consequências trágicas ainda hoje bem presentes. Há erros que têm séculos ou milénios de consequências. O que os indianos chamam “karma”, os efeitos proliferantes de uma intenção-acção inicial. E hoje continuamos a cometê-los...

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A meditação como descoberta da natureza profunda de si e de tudo


"Pode-se dizer que, no seu sentido mais profundo - a que conduzem, como veremos, os métodos de concentração e calma mental - , a meditação ou contemplação consiste numa experiência de reconhecimento e fruição do que verdadeiramente se é, aqui e agora, sem a interferência de interpretações, avaliações e desejos subjectivos e de preocupações com o passado, o futuro e mesmo com o presente. Libertando a mente de tudo isso, a meditação ou contemplação manifesta-se como a experiência natural de integração na natureza profunda, perfeita e primordial de tudo o que existe, em interconexão com todas as suas manifestações, todos os fenómenos e todos os seres. A experiência meditativa ou contemplativa contrasta assim com uma experiência do mundo centrada na aparente separação do sujeito ou do “eu”, na qual tudo é percepcionado, interpretado e avaliado segundo os seus medos, expectativas, desejos e aversões, as suas supostas necessidades, os seus gostos, desgostos e apetites de ter, fazer e desfazer. É nesse sentido que tradicionalmente, segundo a chamada filosofia perene, a meditação ou contemplação se considera a suprema e mais eficaz forma de acção, por promover a mais profunda e radical de todas as transformações, a da consciência do sujeito agente, descentrando-o das suas necessidades fictícias e apetites egocêntricos, levando-o ao (re)conhecimento de si como inseparável da ou idêntico à natureza profunda e plena do real e diminuindo e abolindo assim a experiência de separação dos demais seres e do mundo como um todo. Neste processo reintegra-se uma experiência primordial e original e uma consciência não-dualista, integral e holística, uma presença aberta ilimitadamente consciente e bondosa, desvela-se à medida que se dissipa o véu da ilusória percepção de uma cisão, distância e desconexão entre cada um de nós e a natureza profunda de todos os seres e coisas, entre eu e outro, nós e eles, ser humano e mundo, sujeito e objecto. O aprofundamento desta experiência mostra-a como a plena realização de si – no sentido de abandonarmos todas as fantasias acerca de quem somos na tomada de consciência da nossa realidade profunda – e o fim supremo da existência humana , aquilo a que na verdade inconscientemente aspiramos em todos os objectos do desejo (e daí nenhum o saciar)"

~ Paulo Borges, O Coração da Vida. Visão, meditação, transformação integral, pp.21-22.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Compaixão Activa: Uma Urgência - 9 de Dezembro, 18h - Anf. III - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa


Compaixão Activa: uma urgência

9 de Dezembro, 18h
Anfiteatro III
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

As expectativas dos séculos XIX e XX de progresso ilimitado da humanidade para uma sociedade perfeita deram lugar à evidência de que a evolução científico-tecnológica e o crescimento económico não foram acompanhados por uma evolução ética e da consciência, originando um mundo onde a violência, o sofrimento e a destruição atingem proporções inéditas: opressão e exploração sócio-económica com o aumento do fosso entre ricos e pobres, novas guerras e violações constantes dos direitos humanos, reacender dos nacionalismos e da xenofobia, escravatura e massacre industrial dos animais para alimentação e vestuário (além de outras formas de sofrimento que lhes são infligidas), poluição, destruição acelerada da biodiversidade e alterações climáticas, entre muitos outros sinais de uma civilização em crise e ameaça de colapso.

Perante isto, sente-se cada vez mais a urgência de uma mudança global das consciências, sem a qual as reformas jurídicas, políticas e económicas se revelam sempre instáveis e superficiais. E para essa mudança parece inequívoca a necessidade de desenvolver o potencial afectivo do ser humano, promovendo o alargamento da empatia, do amor e da compaixão para além do círculo das relações mais imediatas. Numa cultura e numa civilização que têm promovido unilateralmente o desenvolvimento do intelecto, surge o desafio de o complementar com a abertura compassiva do coração, repensando a categoria bíblica de “próximo” e vendo se não é extensível a todo o outro, animais humanos e não-humanos e natureza como um todo. As neurociências contemporâneas têm descoberto os imensos benefícios do cultivo da compaixão para o desenvolvimento humano e cerebral e a compaixão consciente, não-violenta e activa parece ser a motivação fundamental de todo o activismo mais esclarecido no domínio dos direitos humanos, dos animais e da natureza. Daí a razão deste Colóquio, onde se apresentará a Carta pela Compaixão Universal, que conta com o apoio de várias personalidades nacionais e internacionais (Dalai Lama, Satish Kumar, Matthieu Ricard, Joyce d'Silva, Francisco Varatojo, Manuela Gonzaga, Miguel Real, Teresa Nogueira). Podemos lê-la e subscrevê-la aqui: http://charterforuniversalcompassion.org/pt/

Oradores:

António Carvalho – Transformação social e subjectividade: o caso das práticas meditativas

Maria José Varandas – Para além da centralidade do humano: a simbiose benevolente

Rita Silva - Activismo e o exercício da auto-compaixão: uma questão de sobrevivência

Maria Teresa Nogueira - Os Direitos Humanos como via activa para a Compaixão

Paulo Borges – Quem é o meu Próximo? Espiritualidade, compaixão e acção integral. Apresentação da Carta pela Compaixão Universal

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António Carvalho - Licenciado em Filosofia (2006) e mestre em Sociologia (2009) pela Universidade de Coimbra. Em 2014 concluiu doutoramento em Sociologia na Universidade de Exeter com uma dissertação sobre as dimensões ontológicas e sociais de duas práticas meditativas, Vipassana e Mindfulness. É investigador associado do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e membro do Círculo do Entre-Ser.

Maria José Varandas - Mestre em Filosofia, na área de Filosofia da Natureza e do Ambiente, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Membro do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, Grupo Acção e Valores. Presidente da Sociedade de Ética Ambiental (SEA). Representante em Portugal da Environmental Society for Environmental Ethics (ISEE). Autora de uma pluralidade de artigos e capítulos sobre ética ambiental em revistas e obras da especialidade; de fascículos na colecção Breviário de Ética Ambiental, nomeadamente: Valor do Mundo Natural; Vida. Propriedade do organismo ou do planeta?; Gaia. Para uma aliança com a Terra; coordenadora com Cristina Beckert da antologia Éticas e Políticas Ambientais; autora do livro Ambiente uma questão de Ética; conferencista em diversas instituições sobre o tema Ambiente. Organizadora e co-organizadora de seminários sobre a temática ambiental.

Rita Silva – Activista pelos direitos dos animais e Presidente da ONG ANIMAL. Trabalha activamente na Coligação Europeia para a Abolição da Experimentação em Animais, foi uma das fundadoras da Rede Mundial para a Abolição da Tauromaquia, grupo com o qual continua a colaborar. Colabora ainda com a Cruelty-Free International/BUAV como Coordenadora Ibérica.
Ao longo da última década tem investido na sua formação, tendo cursado “gestão de abrigos para animais” com a World Society for the Protection of Animals e “gestão e manutenção de canis” com a Battersea Dogs and Cats Home e a Mayhew Animal Home. Frequenta presentemente um curso de Treino, Avaliação e Resolução de Problemas Comportamentais de Cães.

Maria Teresa Nogueira - Membro da Amnistia Internacional desde 1987. Foi Presidente da Direcção da AI-Portugal (2000-2003), Presidente do Conselho Fiscal (1994-1998) e vogal de várias Direcções. Exerceu trabalho de coordenação sobre a adesão de Portugal ao Tribunal Penal Internacional (2001-2002), contra a Pena de Morte (1989), contra a transferência de material militar, de segurança e de “know how” militar para países onde possam ser usados para violações dos direitos humanos (2005 e 2006). Coordenou em Portugal a Rede dos Países da Europa Ocidental (WERAN) e a Rede da China e Territórios sob sua Administração, incluindo Macau (CHIRAN, 1990-1995). Actual coordenadora na Amnistia Internacional do Cogrupo da China que trabalha sobre a violação dos Direitos Humanos na China, Tibete, Xinjiang e Mongólia.

Paulo Borges - Professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigador do Centro de Filosofia da mesma Universidade. Ex-presidente e membro da Direcção da Associação Agostinho da Silva. Sócio-fundador, ex-presidente da União Budista Portuguesa (de 2002 a 2014) e actual membro da Direcção. Vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral da Sociedade de Ética Ambiental. Cofundador e ex-presidente do PAN (2011-2014). Cofundador e presidente do Círculo do Entre-Ser, associação filosófica e ética. Autor e organizador de 40 livros de ensaio filosófico, espiritualidade, poesia, ficção e teatro, sendo os mais recentes: Quem é o meu Próximo? Ensaios e textos de intervenção por uma consciência e uma ética globais e um novo paradigma cultural e civilizacional (2014); O Coração da Vida. Visão, meditação, acção integral (Lisboa, Mahatma, 2015).

Organização: Paulo Borges, com o apoio do Círculo do Entre-Ser, associação filosófica e ética

Metro: Cidade Universitária

Entrada livre

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Curso de Introdução à Meditação - nível I: 8, 15 e 17 de Dezembro, 19:30-22:00

Curso de introdução à meditação - nível I
8, 15 e 17 de Dezembro, das 19.30 às 22h

O curso é uma introdução à experiência da atenção plena e ao modo de a integrar em todas as situações da vida quotidiana. Trata-se de não separar a meditação e a vida, encontrando numa mente calma, clara e aberta uma via para uma existência mais plena, livre e solidária. A aprendizagem dos métodos tradicionais de meditação será complementada com o envio para reflexão dos Catorze Treinos da Atenção Plena de Thich Nhat Hanh. *
*Além dos imensos benefícios psicossomáticos, a prática regular da meditação é uma via para o autoconhecimento e para uma vida pessoal, familiar, escolar, profissional e cívica mais consciente, harmoniosa e ética, na relação com os outros seres e o mundo.*
*A meditação é uma experiência independente de qualquer crença religiosa, que hoje goza de crescente reconhecimento científico e está a ser introduzida com muito sucesso em escolas, empresas, hospitais e prisões, além de se tornar parte da vida quotidiana de milhões de pessoas em todo o mundo.

O curso será orientado por Paulo Borges.

*Os participantes devem trazer roupas largas e confortáveis.

Contribuição: 45 euros, (estudantes e sócios: 40 euros)
Importante: uma real indisponibilidade financeira não é impeditiva da frequência do curso.

Local: União Budista Portuguesa, Av. Cinco de Outubro, n.º 122, 8.º Esq., 1050-061 Lisboa.
Contactos para inscrições: 213 634 363, 213 630 850 (das 17h00 às 21h00);
Email: sede@uniaobudista.pt
Indicações:Metro: Campo Pequeno
Autocarro: 21, 38, 44,49, 54, 56, 83, 727, 732, 738,745

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Se víssemos a natureza profunda de todas as coisas apaixonar-nos-íamos loucamente por tudo e todos

Se víssemos a natureza profunda de todas as coisas, nossa, de todos os seres e fenómenos, apaixonar-nos-íamos loucamente por tudo e todos, cairíamos aos pés uns dos outros, arrebatados ante cada forma, cada rosto, cada flor, cada pedra, cada minúsculo insecto, cada luz, cada sombra. Cessariam todos os juízos, conceitos e palavras e o êxtase seria a nossa respiração e a nossa vida. Como é dramático termos todos este potencial e todavia perdermos a vida no tédio, no conflito, no trabalho e no cansaço! Como é trágico passar ao lado da Vida! Tão dramático e trágico que só pode não ser real. Despertemos e deixemos que os corações se dissolvam no Amor.