“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Lisboa, a vocação de Portugal e o novo paradigma civilizacional (texto publicado no número de Maio da revista CAIS)



A actual globalização hegemónica, de matriz local, europeia-ocidental, dominou o mundo nos ciclos imperial e colonial e domina-o ainda num neocolonialismo económico-financeiro. Esta globalização, sobretudo científico-tecnológica, económico-financeira e mediática, tem promovido a opressão e a exploração das nações mais pobres, cavando um fosso entre o Norte e o Sul, e suprimido vertiginosamente a diversidade cultural e a biodiversidade. Com ela o antropocentrismo predominante na cultura europeia-ocidental assume consequências cada vez mais dramáticas, pelo impacto tecnológico, pela explosão demográfica e pela insustentabilidade de um modelo de crescimento económico dominado pelas leis de mercado, pela produção e pelo consumo e pelo apetite do lucro, mediante a instrumentalização dos seres humanos, dos animais e da natureza.

Constatamos hoje que este paradigma está esgotado, causando um crescente mal-estar, sofrimento, injustiças e desequilíbrios a nível global. Um dos maiores esforços da própria cultura europeia-ocidental é para a crítica dos modelos que exportou para todo o mundo e para a busca de um paradigma alternativo, que preserve o que houver de melhor no passado com uma diferente orientação, que respeite o valor intrínseco dos seres vivos, humanos e não-humanos, e do mundo natural. O multiculturalismo é uma realidade incontornável da pós-modernidade e dispomos hoje de múltiplos modelos culturais e epistemológicos alternativos. É possível e urgente uma outra globalização, não opressora, exploradora e neocolonial, mas universalista ao mesmo tempo que baseada no reconhecimento e valorização das diferenças culturais, étnicas e nacionais. Uma globalização alternativa, baseada na partilha dos recursos espirituais, culturais, éticos, filosóficos e científicos desenvolvidos por diferentes povos e tradições, em distintos momentos históricos e diferentes espaços geográficos. A cultura europeia-ocidental deve abrir-se ao(s) outro(s), não numa atitude de “tolerância” condescendente, mas na escuta, acolhimento e encontro autênticos que nessa(s) alteridade(s) procure acrescentar o que lhe falta e moderar o que tem em excesso, partilhando ao mesmo tempo, sem preconceitos de superioridade ou inferioridade e sem pretensões de ensinar e impor, o que tem de mais próprio.

Após haver liderado a primeira modernidade com os Descobrimentos, sendo pioneiro na globalização do paradigma eurocêntrico, que resultou no ciclo imperial, colonial e neocolonial actual, mas tendo sido também precursor no encontro e diálogo com povos e culturas com outras e muita distintas visões e experiências do mundo, Portugal deve hoje reorientar essa vocação histórica de mediador entre povos e culturas para trazer para a Europa o melhor das culturas planetárias e contribuir para uma ampla plataforma de diálogo intercultural que vise um novo paradigma civilizacional, mais sábio, ético, sustentável e verdadeiramente universal, conforme a visão dos maiores poetas e pensadores do nosso destino, como Luís de Camões, Padre António Vieira, Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Agostinho da Silva. Lisboa, descrita já por Fernão Lopes como “grande cidade de muitas e desvairadas [várias] gentes”, palco das grandes mutações da história de Portugal (1383-1385, 1640, 1910 e 1974), tem uma tradição histórico-cultural inovadora, cosmopolita e universalista e uma posição geo-estratégica que a vocaciona e habilita para ser um dos centros vitais deste processo. Lisboa, voltada pelo Tejo para o Oceano e banhada por uma singular luz, deve ser hoje de novo um grande entreposto de especiarias, mas agora as do espírito, da cultura, da ética, da justiça económico-social e da convivência fraterna e harmoniosa, não só entre todos os povos, nações e culturas, mas também entre os seres humanos, os animais, os demais seres vivos e a Terra.

Sem comentários :

Enviar um comentário