“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

domingo, 11 de agosto de 2013

É urgente uma psicanálise colectiva


Uma das características mais salientes dos portugueses, porventura ressaca ainda das “glórias” dos Descobrimentos e de termos sido um Império à escala mundial hoje reduzido a uma faixa nos confins da Europa, é a necessidade de se verem e sentirem especiais e importantes nalguma coisa, o que nos casos extremos configura uma tendência maníaco-depressiva. Nalguns casos e por vezes achamos que somos os melhores, seja por termos uma missão especial no mundo (o caso de grandes poetas e pensadores, Luís de Camões, Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva), o maior centro comercial da Europa (o Dolce Vita Tejo, aberto em 2012 na Amadora), a maior feijoada do mundo (a da inauguração da Ponte Vasco da Gama, que na altura bateu o recorde do Guiness, com 15 000 pessoas e uma mesa com 5 kms de extensão) ou o melhor futebolista do mundo e um dia, à falta de regressar D. Sebastião ou realizarmos o Quinto Império, sermos pelo menos campeões da Europa ou do Mundo em futebol. Noutros casos e noutras vezes, achamos que somos os piores, os mais ignorantes e falhados, a nação que não tem razão de existir, onde nada funciona e nada se faz de bom, onde tudo é medíocre, estreito e mau, por contraste com as outras nações (que poucos conhecem, mas das quais todos falam como se nelas houvessem vivido desde sempre) onde tudo é perfeito, funcional e operacional, havendo que imitá-las para sair do buraco que somos.

Num caso como noutro achamos e sentimos que somos especiais e importantes: os melhores ou os piores, os melhores governados pelos piores ou os piores que só deixarão de o ser quando governados pelos melhores. E num caso como noutro ficamos contentes e orgulhosos porque ao menos não passamos despercebidos e temos motivo para fazer aquilo de que o nosso ego colectivo mais gosta: falar de si próprio, falar de nós próprios, rodopiando em torno do íntimo umbigo. Dizer e repetir como somos bons e incompreendidos ou como somos maus e dignos de lástima. Num caso como noutro aconchegamo-nos e masturbamo-nos à sombra das nossas virtudes ou dos nossos defeitos, num narcísico e ensimesmado comprazimento com as nossas luzes ou as nossas trevas.

Se da ideia de termos uma missão especial no mundo ainda se pode fazer alguma coisa de positivo, recriando as nossas tendências mítico-messiânicas como motivação para passarmos à acção orientada para causas nobres, como a urgente mudança de paradigma da civilização num sentido mais ético e sustentável para todos os seres vivos, já da vaidade do maior centro comercial, da maior feijoada ou do melhor jogador e da taça que havemos de ter nada há a fazer senão despertar dessas futilidades. E o mesmo se diga do maior divertimento e especialidade nacionais, que é dizer mal de tudo, sobretudo de Portugal e de nós próprios, e ficarmos satisfeitos com isso, como se a denúncia dos vícios públicos se convertesse em virtudes privadas e bastasse proclamar os nossos defeitos para que deles fôssemos livres sem fazermos nada por isso. O que é tanto mais difícil quanto cada português que fala dos defeitos dos portugueses tem tendência para se pôr de fora - como se ao dizer mal do seu país e do seu povo a sua nacionalidade e a sua responsabilidade misteriosamente se suspendessem - ou então para continuar a culpar por todos os males esse misterioso “eles” que no fundo está em cada um de nós sem querermos dar por isso, porque isso obriga a reconhecer no nosso íntimo e na nossa cumplicidade activa ou passiva aquilo que mais diabolizamos nos outros.

É urgente uma psicanálise colectiva (mas profunda, não meramente freudiana), que comece precisamente por nos abrir os olhos para esta recusa de os abrirmos. Só a partir daí é possível uma real transformação do país mental e material, porque os dois são um só e a crise de um é a crise do outro.

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