“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Carta pela Compaixão Universal


Carta pela Compaixão Universal
(Por uma Nova Cultura e uma Nova Civilização)

A professora e pensadora Karen Armstrong lançou em 2009 a Carta pela Compaixão, que teve grande repercussão, colheu muitos apoios e patrocínios institucionais e estatais, foi assinada por celebridades e pelos principais líderes religiosos mundiais e deu lugar a muitas acções pedagógicas:

http://charterforcompassion.org/

Com todo o seu imenso mérito, cremos todavia que a Carta pela Compaixão se limita aos seres humanos, não tendo em conta o imperativo que conduziu ao próprio reconhecimento de direitos iguais para todos os seres humanos: expandir a consideração ética a todos aqueles que sejam portadores de uma mesma natureza fundamental, para lá das afinidades e interesses limitados aos grupos familiares, tribais, nacionais, étnicos, culturais, políticos, económicos e religiosos. Como a ciência hoje inequivocamente reconhece , os animais não-humanos, sendo capazes de experimentar a dor e o prazer psicofisiológicos e emoções como a alegria, o sofrimento, o medo e a angústia, têm também uma natureza consciente e senciente, e logo interesses fundamentais na preservação da sua vida, integridade física, bem-estar e habitat natural, devendo portanto ser alvo de consideração e respeito pelos sujeitos racionais e éticos que são os humanos. Por este motivo, propomos aqui uma mais abrangente Carta pela Compaixão Universal, que assume também o valor intrínseco e não meramente instrumental do mundo natural. Assumimos esta Carta pela Compaixão Universal como bússola orientadora das nossas vidas e exortamos a que todos o façam, divulgando-a por todos os meios, em prol de uma urgente mudança da civilização.

1. As tradições espirituais, culturais e religiosas, a ciência contemporânea e a nossa sensibilidade reconhecem que todos os seres e ecossistemas são interdependentes na grande unidade diferenciada da vida. Não podemos separar a preservação e o bem de uns da preservação e do bem de todos. Conscientes disto e da natureza comum dos animais humanos e não-humanos, no que respeita à senciência e aos interesses fundamentais, sentimo-nos crescentemente movidos pelo amor e compaixão universais, ou seja, pela aspiração activa a que todos os seres dotados de consciência e senciência sejam felizes e estejam livres de todo o sofrimento que pudermos evitar. Conscientes da existência, das necessidades e dos interesses dos outros, assumimos a regra de ouro de toda a ética: não lhes fazer o que não gostaríamos que nos fizessem e contribuir para o seu bem, tal como gostaríamos que connosco próprios agissem. Comprometemo-nos a nunca esquecer que, além dos laços familiares e das afinidades mais imediatas, todos os seres são companheiros e parentes próximos na grande aventura da existência e da vida.

2. Reconhecemos que a interconexão de todos os seres e ecossistemas se conjuga com o valor intrínseco e não meramente instrumental de cada um e de todos. Cada ser vivo, dotado ou não de senciência, é uma manifestação singular e única do fenómeno da vida, tal como todas as formas de existência, mesmo inanimadas, constituem igualmente manifestações singulares e únicas do corpo uno e múltiplo da natureza. Conscientes disto, admiramos e respeitamos todos os seres e entidades do mundo natural, humanos e não-humanos, como sagrados, considerando-os com total respeito pelo seu modo próprio de existência e, no caso dos seres sencientes, tratá-los-emos com plena justiça e equidade, assegurando a satisfação dos seus interesses fundamentais na preservação da vida, da integridade psicofisiológica e do bem-estar, tendo em conta as suas diferenças e características próprias.

3. Sabemos que há muito caminho a percorrer neste sentido, despertando consciências e sensibilidades e mudando velhos paradigmas mentais e culturais, infelizmente ainda reproduzidos por muitos de nós, indivíduos e instituições laicas e religiosas. Apesar de muitos progressos no domínio da ética humana, animal e ambiental, a Terra é ainda hoje palco de um imenso sofrimento e destruição, que em muitos casos se agravam, provocados pela falta de consciência, amor e compaixão dos humanos no modo como tratam os seres humanos e os animais, bem como os recursos naturais da Terra da qual todos dependemos. Disto resulta um crescente mal-estar na civilização globalizada, um crescendo do stresse, da violência, da toxicodependência e da consumodependência, um aumento do fosso económico entre ricos e pobres em cada nação, entre o Norte e o Sul do planeta, entre os países ditos desenvolvidos e aqueles em vias de desenvolvimento, bem como o risco de novas guerras, convulsões sociais e um colapso ecológico sem precedentes, que alguns cientistas designam como a sexta extinção massiva da biodiversidade do Holoceno, a primeira gerada por causas humanas. Disso resulta também um autêntico holocausto da vida animal, por motivos que vão da pesca industrial à agropecuária intensiva. A indústria da carne e dos lacticínios é responsável pelo indescritível sofrimento de milhões de animais, que vivem em verdadeiros campos de concentração . Há ainda graves atentados à saúde humana e de brutal impacte ambiental. Conscientes disto, comprometemo-nos a não ser cúmplices destas práticas e a fazer desde já tudo o que pudermos para alterar esta situação, a começar pelo modo como nos alimentamos, consumimos e utilizamos os recursos naturais.

4. Estamos conscientes de que a crise global do planeta não se resolve com mais reformas superficiais e pontuais, sendo a crise de uma civilização que chegou a um ponto de mutação. Sentimos ser nossa tarefa transitar do modelo dominante de opressão e exploração desenfreada dos humanos, dos animais e da Terra, bem como de competição entre indivíduos, grupos, nações e corporações político-económico-financeiras, para um novo paradigma centrado na consciência da interdependência e no amor e na compaixão universais, que promova uma cultura da paz, da justiça e da cooperação fraterna de âmbito planetário. Isto exige preservar a diversidade cultural e sermos capazes de aprender com o melhor das culturas do planeta, com modelos mentais e de sustentabilidade ecológica alternativos. Isto exige também mudar o actual modelo de crescimento económico, substituindo-o por uma economia do bem comum, baseada na gestão racional e ética dos recursos disponíveis no planeta, na aposta crescente nas energias renováveis e no respeito integral pelos seres vivos e pelos ecossistemas. Comprometemo-nos a tudo fazer para que isto seja possível.

5. Estamos particularmente convencidos de que a necessária e urgente mutação do paradigma civilizacional exige e depende de uma profunda mutação da consciência individual e colectiva, que tem de começar por cada um de nós agora mesmo. Por isso empenhamo-nos em dirigir a atenção para o nosso íntimo, vigiar as intenções subjacentes a pensamentos, palavras e acções e pormo-nos sempre no lugar do outro, humano, animal ou mundo natural, antes de tomar decisões que o vão afectar, tal como a nós mesmos. Estamos conscientes de que isto tem de incluir os que actualmente percepcionamos, também em função dos nossos limites, como adversários, hostis ou inimigos. Esforçar-nos-emos para que as nossas decisões sejam sempre movidas pela sabedoria, pelo amor e pela compaixão e visem o maior bem comum possível.
Para que isto aconteça empenhamo-nos em promover uma cultura da expansão da consciência, que alguns chamam espiritualidade, que pode ser laica e não religiosa, baseada em valores transversais a crentes, ateus e agnósticos, como o amor, a compaixão, a solidariedade, a generosidade, a paz e a justiça. Importa que essa cultura, orientando a mente para o bem comum de todos os seres e do planeta, seja o centro de uma nova educação e se reflicta em todos os níveis dos sistemas de ensino. Há que formar novas gerações de cidadãos conscientes e responsáveis que se empenhem numa nova intervenção social, cívica e política, radicalmente não-violenta e movida pela sabedoria, amor e compaixão universais. Deles surgirão novas pessoas que ocuparão os novos centros de decisão política, económico-financeira e administrativa, assumindo responsabilidades institucionais e governativas em prol do bem comum global. Para tal parece-nos essencial transitar da democracia representativa para a participativa, assegurando aos eleitores mecanismos de fiscalização eficaz dos eleitos. Estamos conscientes da urgência de novas formas de liderança e exercício do poder, o mais descentralizadas e partilhadas possível. O poder é um serviço e uma responsabilidade, não um usufruto movido por interesses pessoais e de grupos. Estamos decididos a redignificar a política, emancipando-a dos poderes económico-financeiros, vinculando-a à cultura da expansão da consciência e pondo-a ao serviço de uma ética do bem comum de todos os seres e da Terra.
Apesar da aparência preocupante e caótica do estado actual do mundo, estamos decididos a não nos deixarmos dominar pela tristeza, desalento, desespero, angústia ou agressividade. Somos já milhões em toda a Terra a construir esta nova realidade nas nossas vidas, com alegria e confiança nos imensos resultados benéficos já evidentes. Com o eloquente exemplo destes benefícios, e da nossa acção baseada na paz, na alegria e na confiança, sabemos que cada vez mais consciências despertam e despertarão para esta profunda mudança.

***

Se concordas com os princípios desta Carta, assina-a e divulga-a por todos os meios, traduzindo-a para a tua língua, partilhando-a por correio electrónico e pelas redes sociais, imprimindo-a e afixando-a na tua escola, local de trabalho ou noutros espaços públicos. Organiza também grupos de reflexão e sessões para a sua leitura e debate. Todos necessitamos de todos para a urgente mudança global. O bem do planeta e dos seres não pode esperar mais. Sê desde já a diferença que queres ver no mundo.

Bem hajas!

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