“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

quinta-feira, 28 de março de 2013

Não sejamos cúmplices no holocausto pascal

Estamos na Páscoa. Se nos libertarmos um pouco das mil distracções e preocupações das nossas vidinhas egoístas, que nos fazem passar como zombies pelo mundo, e olharmos atentos para os talhos, veremos filas de cordeiros e borregos pendurados, decapitados, esfolados e ainda a pingar sangue, oferecidos para serem o centro das atenções e do apetite das famílias no Domingo em que se comemora a Ressurreição de Cristo. Se estivermos conscientes e ligarmos os efeitos às causas, podemos imaginar o que se passa neste preciso momento nos matadouros, onde milhões de animais que como nós amam a vida e temem a dor e a morte são conduzidos ao abate impiedoso. Podemos imaginar quanta angústia e sofrimento de seres vivos e sensíveis como nós custam as iguarias que vão encher os pratos do Domingo pascal.

​Tudo isto para comemorar a Páscoa. Mas o que é originalmente a Páscoa, para além deste sangrento e inconsciente ritual colectivo? Antes da saída dos hebreus do Egipto, a Páscoa foi a festa cananeia e pagã da Primavera, que celebrava a renovação da natureza. O mesmo aconteceu na cultura nórdica, como se documenta no Easter inglês e no Ostern germânico, nomes de uma deusa da aurora e da Primavera. A palavra Páscoa vem da palavra hebraica Pésah, provavelmente derivada do verbo pasah, com o significado de “saltar por cima (de um obstáculo)”. Tradicionalmente traduziu-se Pésah por “passagem” para evocar a lendária travessia do Mar Vermelho pelos hebreus no Êxodo do Egipto. Para este povo, a Páscoa é símbolo de libertação. No cristianismo, a Páscoa passou a ser o período, coincidente com a semana hebraica da Pésah, em que se comemora a Última Ceia, a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Cristo, que significativamente foi assumido como o “Cordeiro de Deus”, oferecido em sacrifício para expiar os pecados do mundo. Com isto, a mensagem cristã é clara: Cristo vem pôr fim aos sacrifícios sangrentos de outros seres, humanos ou animais, para agradar a Deus ou aos deuses; em vez disso, o caminho é o da entrega de si, no sentido de romper o casulo da indiferença, morrer para o egoísmo e renascer ao serviço dos outros.

​Mas a Páscoa, festa pagã da renovação, festa hebraica da libertação e festa cristã do dom altruísta de si mesmo, converteu-se hoje, para largos sectores da humanidade dita civilizada do século XXI, e sobretudo no mundo europeu-ocidental, num absurdo e monstruoso ritual de chacina e morte, em que milhões de animais são oferecidos em holocausto para agradar às novas divindades que são as multidões humanas escravas da gula, da ignorância e da insensibilidade e oferecer avultados lucros aos industriais da carne. Como sempre, alguns pensarão e dirão: “são apenas animais”. A esses recordo apenas as palavras do filósofo e compositor Theodor Adorno:

“Auschwitz começa sempre que alguém olha para um matadouro e pensa: são apenas animais”.

Não sejamos cúmplices deste novo e imenso holocausto. Enquanto não for sempre, que seja pelo menos na Páscoa. Que nesta Páscoa não deixemos que nenhum animal encha os nossos pratos e entre nos nossos corpos. Pois, enquanto o fizermos, estaremos a ser obreiros da violência e os nossos garfos estarão ligados, por fios invisíveis mas terrivelmente reais, à degola dos inocentes.

Paulo Borges

28 de Março de 2013

1 comentário :

  1. Parabéns Paulo! É uma boa iniciativa para tentar abrir um pouco a consciência de milhões de pessoas que não sabem o que fazem.

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