“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Uma Festa


Uma festa elegante ao fim do dia num terraço de Lisboa sobre o rio. Serviram uma bebida e uns aperitivos. E depois algo mais forte. O conhecimento de que somos uma consciência que, ao aprofundar a mínima percepção, pode chegar a tudo. Instaurou-se um silêncio estranho. O silêncio estranho de quem começa a ver e a sentir. A experimentar o que é realmente estar vivo.

Uns sentiram que nas suas veias corria o sangue das crianças de Aleppo e ele borbotou-lhes dos olhos em lágrimas, tingindo de rubro os guardanapos dos acepipes. Outros viram-se cheios de escamas e barbatanas, penas e pêlos, a nadar e a correr livres e ao mesmo tempo a ser capturados, dilacerados e cozinhados para acabarem devorados por si mesmos nos rissóis e croquetes que haviam acabado de ingerir. Foi-lhes revelado o gosto da própria carne, delicioso e horrível. Uns sentiram as carteiras em convulsões nos bolsos. Puxaram delas e cada nota e cartão de crédito imediatamente lhes incendiou as mãos com toda a ganância, corrupção, violência e roubo do mundo. Correram em todas as direcções como loucos, a urrar de dor, com os euros e os cartões tanto mais colados às mãos a arder quanto mais os tentavam deitar fora. Outros viram que não tinham pele e que desde sempre eram tudo, o céu, a terra, as vidas e as estrelas. Tiveram vergonha de até esse momento terem achado que amavam. Houve quem se sentisse a nascer em todos os partos e a morrer em todas as agonias. Houve quem visse por todo o lado que não havia lado algum. E até houve quem...

Não se sabe até hoje o paradeiro de muitos dos convivas. Uns desapareceram para sempre naquele mesmo instante. Outros morreram de causa desconhecida. Outros esqueceram o nome, a idade ou a língua. Uns ficaram para ali a chorar e a rir convulsivamente. Outros ficaram mudos de espanto para sempre. Alguns saíram a correr a beijar e abraçar todas as pessoas e coisas e outros a pedir perdão a tudo e todos. Vários regressaram serenamente a casa como se nada houvesse acontecido. Os que foram mais fundo. São os mais perigosos. Jamais alguém saberá quem são, de onde vêm e para onde vão.

É desta festa que nos conhecemos, leitor?

2 comentários :

  1. Caro Paulo Borges, estranho e forte descritivo de uma festa muito "anos 60", ou saída do imaginário de John C. Lilly. Mas confesso que se esse click existe, hoje, talvez se possa dizer que é a hora de chegar à maioria...

    Obrigada

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  2. Grato pela ressonância, cara Maria Adelina. Boas festas

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