“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Uma experiência, uma epifania da Vida

Ontem não pude apresentar o meu livro “É a Hora!” em Coimbra, pois uma senhora foi tragicamente colhida por um comboio em Santarém e, após uma longa paragem, tive de desistir da viagem. Saí na estação de Setil e ali fiquei à espera de um comboio regional que me trouxesse de volta para Lisboa, no meio do nada, numa estação fantasma junto a uma aldeia não menos fantasma cuja população não chega a 30 pessoas. Ia a ler “The Sacred Universe”, de Thomas Berry, e de súbito a realidade mostrou-me o que o livro dizia, mas com muito mais brilho e eloquência. O isolamento no meio de uma estação deserta, a suspensão de todos os planos, projectos e expectativas, o não saber quanto tempo iria ali ficar, mas sobretudo o incêndio dos campos com o canto estridente das cigarras, o sol primaveril a aquecer o ar e a fazer cintilar as cores, o som do vento nas árvores, moitas e ervas altas, o odor da natureza selvagem, converteu-se numa autêntica epifania. Por experiência directa senti o que Thomas Berry afirma, que não é nos textos sagrados nem nos seus comentários humanos, mas sim na natureza que o divino constantemente se manifesta e connosco comunica, numa linguagem infinitamente mais perfeita que todas as línguas humanas. Aquele sol e aquele canto das cigarras, toda aquela profusão de coisas bem sensíveis, inseparáveis da consciência alerta que em mim despertaram, eram a experiência directa do que uns chamam “Deus” e outros muitos outros nomes. Chamo-lhe Vida, uma Vida opulenta da qual somos inseparáveis, mas que tristemente quase nunca percepcionamos por andarmos enclausurados nos nossos pensamentos, planos e preocupações, nos nossos livros e telemóveis, nas nossas casas, cidades e veículos. Durou pouco mas soube a muito, soube a tudo. Passado algum tempo chegou o comboio regional vindo de Tomar e nele regressei à (a)normalidade desta vida menor em que nos exilamos e refugiamos da Grande Vida que a tudo abraça.

Compreendi uma vez mais, por experiência directa, a razão profunda pela qual a humanidade está a destruir os recursos naturais do planeta e os demais seres vivos, destruindo-se a si mesma. Antes mesmo dos motivos económicos e da ganância de lucro, a raiz mais funda deste drama está no facto de a maior parte dos humanos ter perdido esta evidência da sacralidade do mundo, ter perdido a capacidade de maravilhamento e gratidão perante o prodígio da natureza e imaginar-se desconectada desta Vida que é afinal a nossa única e imensa riqueza. Agora sei que na verdade existem anjos: aquelas cigarras, com o seu sublime canto, são os Anjos do Real. E os nossos campos abandonados são o Paraíso, o Paraíso que na verdade por todo o lado podemos reencontrar se tivermos os sentidos bem despertos e a consciência despida de planos, preocupações e (pre)conceitos. A mudança de paradigma tem de passar pelo despertar espiritual da humanidade, para lá de religiões, crenças e ismos.

2 comentários :

  1. Ora nem mais, para os seres que se deixam adormecer e nos quais me incluo, urge cada vez mais o retorno à sacralidade.A imersão na Natureza é o meio por excelência que nos aproxima mais da Epifania, a revelação do imanente e do transcendente no aqui e no agora. Parabéns Paulo por essa experiência única e tão necessária para todos nós. Luís

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