A descoberta da meditação pelos ocidentais – enquanto treino da mente para
manter uma atenção calma, clara e contínua, com profundos benefícios
psicossomáticos, além do desenvolvimento cognitivo-afectivo - é um fenómeno
histórico-cultural e civilizacional dos mais relevantes no final do século XX e
no início do século XXI. A par da difusão da prática meditativa na população e
das várias experiências de sucesso em escolas, empresas, prisões e hospitais, verifica-se
um crescente interesse da comunidade científica pela meditação enquanto fonte
de conhecimento acerca da relação mente-cérebro e das possibilidades da
consciência, como mostram as experiências realizadas no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e noutros lugares, bem como os encontros Mind and Life, promovidos desde 1987 pelo Mind and Life Institute e
onde investigadores de vanguarda, particularmente na área das neurociências,
têm dialogado com o Dalai Lama e outros representantes de várias tradições.
Numa dessas experiências, juntou-se um
grupo de praticantes de meditação no budismo tibetano, com 15 a 40 anos de prática, e um
grupo de controlo de estudantes voluntários, com uma semana apenas de prática.
Escolheram-se quatro tipos de meditação: 1 – o amor e a compaixão universais e
imparciais; 2 – a atenção focada num único objecto, de modo claro, calmo e
estável, sem torpor ou agitação mental; 3 – a presença aberta, em que a mente
está consciente e atenta, mas sem se focar em nenhum objecto particular; 4 – a
visualização de imagens mentais. Enquanto alternavam repetidas vezes períodos
neutrais de trinta segundos com períodos de noventa segundos em cada um destes
estados meditativos, os praticantes foram submetidos a electro-encefalogramas,
que permitem captar alterações na actividade cerebral em milésimos de segundos,
e a imagens de ressonância magnética funcional, que localizam com rigor a
actividade cerebral.
Os resultados mostraram
espectaculares diferenças entre os praticantes experientes e os noviços, que
provam a plasticidade do cérebro e a possibilidade de o transformar e desenvolver
mediante a prática regular da meditação. Por exemplo, ao meditar sobre o amor e
a compaixão houve um aumento da actividade cerebral de alta-frequência, as
chamadas “ondas gama”, “de um tipo nunca antes relatado na literatura
científica”, segundo o Professor Richard Davidson. A actividade cerebral
concentrou-se também no córtex pré-frontal esquerdo, a sede de emoções
positivas, geradoras de bem-estar, como alegria, entusiasmo e altruísmo.
Constatou-se também, nos praticantes experientes, a capacidade de regular
voluntariamente a actividade mental, concentrando-se exclusivamente numa tarefa
sem distracções; a identificação de emoções em rostos que aparecem num ecrã
durante um quinto de segundo, sinal de um superior poder de empatia; e a
inédita e espantosa neutralização do reflexo do susto, mesmo perante o disparo
de uma arma junto do ouvido: uma vez que esse reflexo depende da predisposição para o
medo, a raiva e a repugnância, os resultados sugerem “um nível de serenidade
emocional impressionante”.
Não admira que o Dalai Lama tenha aberto, em 2005, os
trabalhos do Neuroscience, o mais
prestigiado congresso de neurocientistas do mundo, em Washington. E que já se
fale da meditação como alternativa ao Prozac. Segundo declarações recentes do
biólogo Eric Lander, membro do Projecto Genoma Humano: "Não é inconcebível
que, dentro de 20 anos, as autoridades americanas de saúde recomendem 60
minutos de exercício mental cinco vezes por semana". A meditação faz hoje
parte dos cuidados de saúde e hospitalares, bem como das actividades escolares
e empresariais em muitos lugares do mundo, integrando o horário de trabalho de mais
de um quarto das maiores empresas norte-americanas.
Há por outro lado no Ocidente a ânsia de uma ética e espiritualidade prática
alternativa ao materialismo e niilismo contemporâneos e eficaz no lidar com o
sofrimento, os conflitos internos e o sentimento do sem sentido da existência. Sinal
dessa busca espiritual é a corrida a livros de autocura, desenvolvimento
pessoal e esoterismo, onde, a par de uma minoria de obras credíveis, o público
se expõe a todos os riscos da exploração comercial pela nova indústria dos
sucedâneos das tradições espirituais autênticas, muitas vezes misturados nos
estéreis ou já perigosos cocktails “espirituais” New Age (sem prejuízo das boas
intenções que sob este rótulo se conjugam).
Esta situação torna ainda mais urgente redescobrir a profunda experiência
meditativa, veiculada pelas tradições autênticas da humanidade e por aqueles
que as renovam mediante uma verdadeira inspiração interior, traduzida numa vida
exemplar, desprendida do engodo pelo poder, a fama e a riqueza, critério seguro
de autenticidade. Por outro lado, o estado actual da civilização, o agravamento
da relação destrutiva da humanidade com a natureza, os seres vivos e consigo
mesma, tornam também urgente redescobrir a experiência meditativa. Estamos
convictos que a meditação, não religiosa, mas secular, é hoje chamada a estar
no centro de um novo paradigma mental, ético e cultural-civilizacional, e de
uma nova organização social, política e económica, em que se assuma que a
natureza e os seres sencientes, humanos e não-humanos, são inseparáveis de nós,
possuem um valor intrínseco e não são meros objectos e recursos a explorar para
a (impossível) satisfação da nossa avidez. É que a ausência dessa visão
não-dual e holística, que em boa parte reflecte a ausência da experiência
meditativa nos decisores mais responsáveis pelo destino do mundo, arrisca-se a
precipitar-nos num imenso colapso ecológico-social.
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