"Este poema ["A Última Nau"] é o primeiro de vários que assinalam claramente a importância de passar do sebastianismo para a experiência do regresso ou desocultamento de D. Sebastião no que ele simboliza, de passar da saudade, enquanto memória e esperança, para a saúde, enquanto experiência directa da plenitude, integridade e totalidade jamais perdida [1]. Pensador e proponente de um neosebastianismo em que D. Sebastião é um símbolo multidimensional e polivalente, Pessoa orienta-o para a experiência do regresso de D. Sebastião como o próprio despertar da consciência para o fundo de si mesma, ou seja, orienta-o para o fim do sebastianismo. O poeta supera a mera hermenêutica histórico-cultural do sentido do Encoberto e a mera profecia do seu regresso real ou simbólico para se tornar/desvelar o próprio Encoberto (o mesmo que aliás implicitamente assume, embora sob o signo da interrogação expectante, no único poema da Mensagem que significativamente não tem título e é escrito na primeira pessoa [2], a par do texto de interpretação das profecias do Bandarra onde anuncia que a terceira vinda do Encoberto/D. Sebastião se deu em 1888, ano do seu nascimento [3]). A partir deste poema, se outros textos não houvesse, sabemos que Pessoa se experienciou como D. Sebastião ou como o desencobrimento desse Encoberto que, na nossa leitura, é esse universal fundo sem fundo da consciência a que por isso mesmo todos têm acesso, desde que dissipem os véus que o encobrem. Como logo veremos, ao comentar o poema “D. Sebastião”, que abre a terceira parte da Mensagem, precisamente intitulada “O Encoberto”, Pessoa inverte a esperança sebástica, em que se espera passivamente que o rei regresse, vindo do exterior, na espera vivida pelo próprio rei de que alguém activamente o faça em si regressar, não como aquele que partiu, mas como “O” que simboliza e incarna [4]. Em alguns textos em prosa, Pessoa critica e distancia-se claramente dos intérpretes do “sebastianismo tradicional” que, condicionados “pelo espirito catholico, esperavam de fóra o Encoberto, aguardavam inertes a salvação externa”. Inseparável do Quinto Império, o Encoberto virá quando os humanos criarem “as forças espirituais” de onde virá esse “Imperio” que veremos ser o de um outro estado comunitário de consciência. Neste sentido, “não é de fóra, é de dentro que apparecerá D. Sebastião”, por uma particular iniciativa de cada um [5]. Como escreve o poeta-pensador: “É dentro de nós, em nós e por nosso exforço, que tem de vir, e virá, D. Sebastião. O Sebastianismo só é infecundo e estiolante quando o interpreto litteralmente, como a sperança da vinda exterior do Rei ido, vinda que, sem nosso exforço, milagrosamente nos haja de salvar” [6]. Com isto se passa de um particular avatar mítico-histórico de uma forma do messianismo universal, o sebastianismo, para o fim deste e de todo o messianismo, que se cumpre e anula nesta “hora” do despertar da consciência que pode revelar em todo e cada homem o Messias potencial que desde sempre e intimamente é"
- Paulo Borges, É a Hora! A mensagem da Mensagem de Fernando Pessoa, Lisboa, Temas e Debates / Círculo de Leitores, 2013.
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