Blogue pessoal de Paulo Borges. Um espaço em prol do despertar da consciência e de um novo paradigma cultural, ético-político e civilizacional, centrado no bem comum de todos os seres, humanos e não-humanos, e da Terra.
“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”
“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”
- Einstein
“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”
- Jorge Luis Borges
terça-feira, 17 de março de 2015
Um exercício prático: contemplar os pensamentos sem nos identificarmos nem envolvermos com eles
Apresentamos agora um método que, a par da atenção à respiração, constitui um dos mais universais e importantes para acalmarmos e focarmos a mente, com a vantagem de constituir um passo fundamental para usufruirmos do potencial autocognitivo da experiência meditativa, unindo a calma, serenidade ou paz mental (śamatha) à visão penetrante (vipaśyāna), a compreensão da natureza profunda das coisas e da mente que as percepciona.
Começamos sempre pela presença aberta, sem foco e sem objecto, seguida pelo alinhamento e vivência dos sete pontos da postura externa e interna. Podemos depois dirigir a atenção, por breves momentos, para os dois suportes anteriores – o corpo e as sensações físicas e a respiração (usando o método respiratório que preferirmos, com ou sem contagem) – ou então focar logo a atenção naquele que for neste momento o mais eficaz para nós. Quando sentirmos que começa a haver alguma estabilidade mental, passamos então a uma dimensão ainda mais funda e subtil de nós mesmos, que na verdade é composta por várias dimensões de cada vez maior profundidade e subtileza em termos de consciência: referimo-nos àquilo que aqui designamos em geral como “mente”.
O que fazemos é voltar a mente para si mesma, de modo a que se observe serenamente e a que aquilo que tantas vezes nos distrai, quando tentamos focar a atenção no corpo e na respiração – todo o turbilhão de pensamentos, palavras, imagens e emoções, ou seja, todos os fenómenos internos ou mentais – , deixe de ser um adversário para passar a ser um aliado. Os fenómenos internos ou estados mentais passam agora a ser o objecto ou o suporte onde focamos a atenção, a fim de que a mente seja como um espectador sereno que contempla num ecrã toda a sucessão de pensamentos, palavras, imagens e emoções sem se identificar nem envolver com eles. Tentamos não nos identificar com eles abandonando o duplo hábito de considerarmos que somos os pensamentos que temos e que eles são “nossos”: na verdade a mente é muito mais vasta do que os fenómenos e estados mentais que nela se manifestam, que na maioria são involuntários; não temos (pelo menos neste momento) qualquer poder absoluto sobre eles, no sentido de os poder ter ou não quando desejamos e de os modificar a nosso bel-prazer. A não identificação com os fenómenos mentais torna mais fácil não nos envolvermos com eles, seja a nível conceptual – analisando, interpretando, julgando e colando-lhes rótulos, como “bom”, “mau”, “positivo”, “negativo, “agradável”, “desagradável”, etc. - , seja a nível emocional (os dois níveis são obviamente inseparáveis), reagindo-lhes com apego, aversão ou indiferença.
Ao fazer isto constatamos haver algo em nós - uma dimensão mais profunda da mente e de nós mesmos, uma dimensão mais profunda da consciência - que tem a capacidade de contemplar apenas tudo o que surge na experiência interna, acolhendo-o tal qual se manifesta, sem analisar, interpretar, comentar, comparar, julgar ou conceptualizar e sem lhe reagir em função disso. Há nisto a que chamamos “nós” uma dimensão mais profunda e original da consciência que contempla todos os estados mentais e emocionais sem lhes impor os moldes e as formatações conceptuais e valorativas resultantes da nossa história pessoal em interacção com a educação, a cultura e o ambiente social e que constituem filtros ou lentes coloridas que desfocam ou tingem com os seus pré-juízos e pressupostos aquilo que surge tal qual surge. O “espectador” não é senão uma metáfora dessa dimensão mais funda da consciência que contempla com muita atenção tudo o que nela se manifesta, mas sem comentários, num profundo silêncio exterior e sobretudo interior, e sem reagir a isso, numa profunda paz, simplicidade e liberdade.
Numa outra imagem, é como se esta dimensão mais funda da mente ou da consciência fosse um céu – vasto, ilimitado e naturalmente luminoso, porque naturalmente consciente – que contempla serenamente todos os pensamentos, emoções, palavras e imagens como nuvens – brancas, cinzentas ou negras, pacíficas ou tempestuosas, lentas ou velozes, mas sempre apenas nuvens - que nele se formam, transformam e dissipam, sem deixar rasto e sem o perturbar minimamente, permanecendo sempre inalterável. Ou, noutra imagem ainda, como se essa dimensão correspondesse à visão de um mergulhador que contempla do fundo do oceano a superfície agitada do mesmo. Por maiores e mais violentas que sejam as vagas e as tempestades à superfície, o mergulhador contempla tudo isso do fundo sereno do oceano. Na verdade ele é o fundo sempre sereno do oceano e permanece imperturbável. E noutra imagem essa dimensão da consciência pode ser como uma criança que sorri em paz, feliz e divertida, contemplando o espectáculo dos pensamentos e de tudo o mais como meras bolas de sabão que pairam, brilham e flutuam uns momentos no espaço para logo explodirem e se desvanecerem sem deixar qualquer rasto, como se nunca houvessem existido"
- Paulo Borges, O Coração da Vida. Visão, meditação, transformação integral (guia prático de meditação)
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