Na Índia os mais
antigos hinos do Rgveda, apesar de
não formularem nem implicarem “nenhum sistema doutrinal”, mostram “uma
tendência para religar a um princípio unitário a multiplicidade dos fenómenos”
e dos seres . Diz-se assim que “todas
as criaturas” se apoiam no “Uno”, que por sua vez se fixa no “umbigo do
não-Nascido” , o imanifestado. Um outro
hino considera que o sacrifício pelos deuses do purusa, um gigante antropomórfico primordial, identificado à
totalidade do “universo”, é a origem de “todos os seres”, com um quarto apenas
de si, enquanto os três outros quartos permanecem no domínio da imortalidade
celeste. Esse quarto do purusa, termo
que na filosofia Sāmkhya designa a Consciência pura, é o que se expande
cosmogonicamente “em todos os sentidos, / em direcção às coisas que comem e que
não comem”, alusão ao animado e ao inanimado . Também
Vāc, a “palavra” cosmogónica, se expande desde as “águas” originárias “através
de todos os seres”, apoderando-se “de todas as existências” . Já
no Atharvaveda se diz que “Vena [o
“vidente”] viu em segredo a (morada) suprema, / onde todas as coisas têm uma
forma única” . No mesmo texto se diz que
“Prajāpati [o “senhor das criaturas”] entra na matriz, no interior”, onde, “sem
ser visível, assume nascimentos múltiplos”, gerando “todo o universo” com a
“metade” visível de si, enquanto a outra permanece imanifestada, sem “sinal
distintivo” . A geração do mundo é
assim apresentada como a metamorfose e transmigração da sua fonte criadora na
totalidade dos seres, que lhe são consubstanciais, pelo menos a respeito da sua
dimensão manifestada.
Significativo é
também o longo hino à Terra, ainda no Atharvaveda,
que a invoca como a “Mestra do que foi e do que será”, “que sustenta de muitas
maneiras o que tem sopro e movimento”, a “portadora de todas as coisas” e o
“sustento” feminino que oferece repouso a “todos os seres animados”. A Terra
remonta às “origens”, onde foi “uma Onda sobre os mares”, possuindo um “coração
imortal” que, “coberto de Verdade, se oculta no firmamento supremo”. Dela
nascidos, nela circulam os “mortais”, bípedes ou quadrúpedes. Ela é também a
“mãe das plantas” e a “universal genitora”, onde habita Agni, o deus do Fogo,
tal como em todos os seres por ela gerados: plantas, águas, pedras, humanos e
animais. Mantenedora de todos os seres e “guardiã do mundo”, a Terra é invocada
para conceder aos humanos uma vida longa, protecção, prosperidade e poder, numa
aspiração a que, fazendo crescer quem a invoca, ela mesma cresça, numa comum
exaltação: “queira a Terra nos fazer crescer, crescendo ela própria!”. Num dos
momentos da invocação, aspira-se precisamente a que o que se extrai da terra
possa “recrescer prontamente”, sem jamais se atingir os seus “pontos vitais”, o
seu “coração” . Estamos numa esfera de
reverência e respeito religioso pela Terra, muito distante da sua objectivação,
na civilização industrial contemporânea, como um suposto manancial inerte de
recursos que a humanidade pode explorar ilimitadamente a seu bel-prazer.
Um
texto que surge ainda no final do
Yajurveda,
embora venha a ser incluído nos
Upanishads,
estabelece uma já anterior identificação entre o “Uno” (
ekam) - a essência universal, por vezes referido como o
brahman - , com o
ātman. O “Uno” está simultaneamente “dentro” e “fora” de “tudo o
que existe”, sendo-lhe transcendente e imanente. É por esse motivo que “todas
as essências” estão “no Si” (
ātman) e
este “em todas as essências”, sendo-lhes “equivalente” na medida em que “penetra
tudo”. Meditar nisto liberta de toda a “vertigem” e de todo o “sofrimento”
.
Também
no
Brihadāranyaka Upanishad se afirma
que o
purusa ou o
brahman primordial emanam tudo de si,
saindo da sua solidão unicitária
.
Falando agora do
ātman, metaforiza-se
assim o modo dessa emanação:
“Tal
como uma aranha emerge [de si mesma] mediante [tecer] fios [do seu próprio
corpo], tal como pequenas faúlhas se erguem de um fogo, assim também deste Si
todos os sopros vitais, todos os mundos, todos os deuses e todos os seres
contingentes se erguem em todas as direcções”
.
Todos
os seres e fenómenos são assim consubstanciais ao
ātman: “[…] estes mundos, estes deuses, estes seres contingentes,
este Tudo, nada são senão o Si!”
.
Assim se compreende a célebre afirmação do
Chāndogya
Upanishad, em que um pai revela ao filho que a sua natureza profunda é a
natureza profunda de todo o universo e de todas as coisas: “Esta mais subtil
essência, - todo o universo a tem como o seu Si: Isso é o Real: Isso é o Si:
Isso és
tu [
tat tvam asi], Svetaketu!”
.
Do
reencontro – não necessariamente por via religiosa – desta experiência de não
separação entre si, o mundo e todos os seres depende hoje cada vez mais o
futuro da aventura humana sobre a Terra.
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