sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Amai tudo


A bordo do barco para o Barreiro, rodeado de todo o mundo e ninguém, o Bem-Aventurado manteve-se recolhido em silêncio e o silêncio converteu-se num murmúrio:

“Em verdade, em verdade vos digo que tudo é sagrado. Este rio é sagrado e sagradas são as terras que banha. Sagrados sois vós e tudo o que percepcionais, ó esquecidos. Amai pois cada vaga e cada grito de gaivota, cada pedra da calçada e cada animal de rua, cada nuvem que passa e cada brisa que vos alisa o rosto. Amai muito tudo, pois tudo, mais do que próximo, vos é íntimo. Amai tudo, pois se não amardes tudo não amareis e vereis que sois também o Pai-Mãe, a Presença que em tudo se oferece. Amai tudo, pois se não amardes tudo jamais vos amareis a vós mesmos”.

Continuou recolhido em silêncio. E à sua volta todos continuaram absortos nos telemóveis, auscultadores, jornais, livros, pensamentos e preocupações.

Uma gaivota gritou no céu anoitecido e a sirene do barco soou, pois havia muito nevoeiro.

~ Sutra-Evangelho de Lisboa, III, 13.

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