quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A grande tarefa política é transcender e dispensar a política

A grande limitação da política, ou pelo menos da política tradicional e convencional, seja de esquerda, centro ou direita, partidária ou não, é o de girar sempre em torno da conquista, exercício ou influência do poder, institucional ou não, estatal, cultural ou mediático. E outra grande limitação é tender sempre a ser antropocêntrica, pois é coisa da “polis”, da cidade ou sociedade dos humanos, que se ficciona separada da comunidade natural e cósmica e trata como escravos os animais e a Terra.

Da primeira orientação vem a importância, desde a Ágora grega até aos actuais espectáculos eleitorais e parlamentares, do debate público entendido como combate para vencer o adversário e colher votos e apoios. Daí a centralidade da oratória e da retórica que visa a persuasão, o convencer os outros de que se tem razão para se ter poder, o que, porque raramente funciona (porque os outros também pretendem ter razão e poder e porque o que move as supostas “razões” de uns e outros são quase sempre os desejos e interesses egocêntricos, individuais e grupais), conduz frequentemente à corrupção, mentira, calúnia e difamação, quando não à agressão física e ao assassínio. A essência oculta ou patente da política tradicional é o combate e a violência.

E este é o problema. Porque é a desconexão e a consequente luta pelo poder, do humano sobre o humano, os animais e o mundo, que está no centro da actual crise da civilização. O maior problema da política tradicional é ela mesma. É por isso que não o pode resolver e precisamos de outra coisa. Não de política, no sentido habitual, mas da experiência social do despertar e da expansão da consciência amorosa e compassiva. Que nasce não do “poder” entendido como domínio sobre o outro - o que é uma forma de auto-escravização, pois o tirano também é escravo da sua tirania - , mas do poder de ser, aqui-agora, simultaneamente livre de todos os poderes e inseparável dos outros, de todas as formas de vida, não visando por isso dominar quem quer que seja. Não visando servir-se, mas antes servir: o sentido antigo da palavra “ministro”.

A grande tarefa política é na verdade micropolítica e metapolítica: organizar a república da mente e do coração mediante a atenção plena a si, de modo a assegurar o bom governo de cada um pelo melhor de si mesmo, e transcender e dispensar a política em sociedades humanas cada vez mais despertas, fraternas e abertas à comunidade cósmica, mediante a atenção plena à interdependência com todo o outro, humano e não-humano. Sociedades humanas que estendam a todos os seres e entidades naturais a categoria de “próximo” e que se organizem não para manter e reproduzir uma vida alienada, mas para promover uma vida boa e plena, para humanos e não-humanos, em harmonia com a Terra. O que começa por abrir e expandir espaços de vida desperta, solidária e liberta, sendo o primeiro de todos o da própria consciência. Pequenos grupos de afinidade que se associem e expandam, comunidades em transição, germes de criatividade e libertação num mundo de instituições cada vez mais decadentes, atrofiadas e destrutivas por falta da verdadeira inteligência: a da interconexão, do amor e da compaixão.

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