sábado, 9 de maio de 2015

As duas dimensões universais da experiência mística


“Para falar verdade, a experiência mística não comporta senão duas dimensões absolutamente universais e independentes da subjectividade dos indivíduos. A primeira é negativa: é a certeza de que tudo o que a experiência dá a ver, a escutar, a sentir, é sem medida comum com o conhecido, o familiar, o categorizável, as estruturas do nosso universo físico e social. Abre-se aqui um abismo onde desaparecem todas as nossas referências, tudo aquilo sobre o qual se apoia a nossa consciência de nós-mesmos, dos outros e do mundo. Aqui se perfila o absolutamente outro, o irrepresentável, o indizível. (...) há o outro lado da experiência, o qual, sem contradizer a primeira no quer que seja, lhe confere um sentido e a torna vivível para nós. A primeira tritura todo o pensamento e amordaça toda a palavra. Aí onde se apresenta só reina a angústia. Mas o êxtase é a superação da angústia neste sentido em que o seu outro rosto se chama o não-sofrimento. Num modo que escapa ao entendimento é-nos anunciada a Boa Nova da universal reconciliação: tudo está bem para sempre, nos séculos dos séculos, os conflitos que nos dilaceram estão pacificados desde sempre, as nossas mais profundas aspirações já misteriosamente realizadas, os nossos desesperos sem fundamento, as nossas vidas desfeitas já recolhidas na solicitude ardente do Ser. Aquele que recebe uma tal mensagem, como poderia calá-la?”

- Michel Hulin, La Mystique Sauvage. Aux antípodes de l’esprit, Paris, PUF, 1993, p.279.

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