domingo, 11 de janeiro de 2015

Os rebanhos, os espíritos livres e a comunidade dos verdadeiros iguais


Para o meu filho Martim, que hoje cumpre 22 anos

Assisto desde há algum tempo a um fenómeno extremamente curioso. Nas portagens na auto-estrada, mesmo quando há várias vias livres ou quase livres, os automobilistas tendem a dirigir-se para as que estão mais saturadas de veículos, por vezes quase parados... O mesmo acontece nas caixas dos supermercados. Frequentemente há muitas caixas livres ou quase livres, mas as pessoas amontoam-se nas filas mais longas...

O que é que isto nos diz? A meu ver é a manifestação mais exterior de um fenómeno psicológico patente em todos os aspectos da nossa vida. O instinto gregário, a busca da segurança de pertencer a um grupo, ou, dito de forma mais prosaica, o espírito de rebanho, é muito forte na humanidade. Mesmo nesta época pós-moderna, em que todos se julgam donos e senhores das suas opiniões e ideias próprias, em que todos presumem “pensar por si”. O que não deixa de ser a confirmação desta tese, pois todos pensam o mesmo, contradizendo assim aquilo que pensam. E isto manifesta-se em tudo, sobretudo na necessidade visceral de pertencer a um grupo ou a uma tribo, com uma determinada identidade e um determinado totem, seja cultural, nacional, político ou religioso (pode ser também uma “causa”). E de o absolutizar, pois cada ego em busca de refúgio da sua fictícia solidão tem dificuldade em admitir que não pertence à Tribo verdadeira ou mais verdadeira (de cuja verdade as outras, quando muito, apenas se aproximam: a esta presunção chama-se “tolerância”). Isso deixá-lo-ia inseguro. É por isso que as tribos convivem e comunicam tão mal entre si, mesmo quando se sentam à mesma mesa do politicamente correcto. E é por isso que há tanto conflito e sangue no mundo: mental, emocional, verbal e físico.

Na verdade, pertencer a um rebanho é uma das mais arcaicas tentativas de anestesiar a angústia de existir. Uma das mais arcaicas e uma das mais frustradas. Mas a estupidez, nutrida e aguilhoada pelo próprio sofrimento que cria, é uma das mais persistentes vocações humanas.

Ser um espírito livre, que se aventura pelas veredas inexploradas e sempre abertas, é uma tarefa de cada instante e um oásis no deserto destes tempos de novas massificações e obscurantismos em que vivemos. O preço é a solidão aparente, mas que na verdade abre para a comunhão real com a comunidade dos verdadeiros iguais e com a natureza profunda dos seres e das coisas. A comunidade dos verdadeiros iguais: aquela que não nivela e uniformiza por baixo, pelas necessidades, opiniões e ideais da tribo, nem que reclama uma igualdade instituída por decreto, mas a que resulta da elevação até ao que de mais fundo e nobre existe em cada um de nós, livre de todas as carências e projectos do ego. E isso só é possível tresmalhando-nos da mediocridade de todos os rebanhos, por mais simpáticos e divertidos que sejam. É para além de todos os rebanhos que se ganha o direito a ingressar na grande comunidade e comunhão da Vida, da Vida plena.

11.1.2015

3 comentários:

  1. Que bom ler estas palavras! Concordo em tudo!Mas não é um caminho facil, o não quere entrar no rebanho! falo por experiência propria , mas vale a pena!
    Parabens ao Martin

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  2. São sempre poucos os pássaros que voam fora do bando. John Livingston Seagull...

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  3. Grato, Draumur. E concordo, claro, com o que ambos dizem. Somos sempre poucos, mas podemos crescer e sermos sempre mais. Saudações

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