terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O que é a liberdade?


Imagem: Xenofonte

Não há verdadeira liberdade senão como libertação: dos instintos, dos hábitos, dos caprichos, do egocentrismo, do desejo de fama, poder, riqueza ou prazer, do desejo de agradar, agredir ou ofender, da indiferença. A liberdade só é livre quando se exerce com sabedoria, amor e compaixão, não só por uns, mas por todos, por todos os seres vivos. O exercício da liberdade supõe auto-contenção por critérios éticos e até estéticos. Só é livre o que é capaz de renunciar à própria liberdade por um bem superior: o bem de todos e a própria libertação. A verdadeira liberdade é aquela que é capaz de renunciar e transcender a si mesma. A liberdade só é absoluta quando não se absolutiza.

Livre não é quem diz ou faz o que lhe apetece, impelido e escravizado pelos motivos acima indicados. Livre é quem faz o que quer, mas apenas quando a vontade é movida por sabedoria, amor e compaixão, ou seja, pela consciência fraterna e activa do que é melhor fazer para o bem de todos a cada instante, em função de cada situação e circunstâncias concretas. Neste sentido só faz o que quer quem não faz o que lhe apetece e quem faz o que lhe apetece nunca faz o que quer.

O exercício consciente e ético da liberdade não se pode jamais restringir totalmente a uma moral e a uma jurisdição (por mais que estas sejam necessárias, enquanto os humanos não forem plenamente livres), pois não se pode codificar em normas positivas que sejam absoluta e formalmente válidas e aplicáveis em todas as circunstâncias diferenciadas e concretas. O exercício consciente e ético da liberdade implica a intenção e a criatividade de fazer em cada situação o melhor possível em função dos envolvidos e das consequências de cada acto – mental, verbal e físico - para o bem comum de todos os seres. Por isso e por vezes o melhor possível pode ser não fazer nada, se disso vier um maior bem para todos.

O que o exercício consciente e ético da liberdade jamais pode dispensar, seja para agir, seja para não (re)agir, é o que três sábios gregos antigos, discípulos de Sócrates – Isócrates, Xenofonte e Platão – , chamaram “enkrateia”, o poder sobre si, o autocontrole, o autodomínio. O contrário do que Aristóteles designou como “akrasia”, a ausência de poder sobre si, o descontrolo, quando se faz o que sabe e sente não ser o melhor, dominado pela busca de prazer e satisfação imediatos.

No presente debate sobre a liberdade e a liberdade de expressão, verifica-se que a sabedoria dos antigos faz muita falta à confusão e à arrogância dos (pós-)modernos.

13.1.2015

2 comentários:

  1. Olá Paulo!
    Na Calheta do Nesquim, na ilha do Pico, há um dizer saber "Faz o que te apetece", e é um fazer "o que quer, mas apenas quando a vontade é movida por sabedoria, amor e compaixão, ou seja, pela consciência fraterna e activa do que é melhor fazer para o bem de todos a cada instante, em função de cada situação e circunstâncias concretas." E o faz o que te apetece, "por vezes o melhor possível pode ser não fazer nada, se disso vier um maior bem para todos." Sabedoria dos antigos daquela dimensão, filosofando em visão da imensidão do mar, o universo perto de nós (José Saramago), e vejo-me sentindo as tuas palavras! Muito grata!

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  2. Partilho do princípio da universalidade. "Em que ser-se homem é ser-se livre. Mas ser-se é homem é ser-se antes demais, responsável, pois que ao escolhermo-nos a nós escolhemos o homem" - Sartre; " O existencialismo é um humanismo". Grato pelo texto :-) Paulo David

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