terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A meditação como descoberta da natureza profunda de si e de tudo


"Pode-se dizer que, no seu sentido mais profundo - a que conduzem, como veremos, os métodos de concentração e calma mental - , a meditação ou contemplação consiste numa experiência de reconhecimento e fruição do que verdadeiramente se é, aqui e agora, sem a interferência de interpretações, avaliações e desejos subjectivos e de preocupações com o passado, o futuro e mesmo com o presente. Libertando a mente de tudo isso, a meditação ou contemplação manifesta-se como a experiência natural de integração na natureza profunda, perfeita e primordial de tudo o que existe, em interconexão com todas as suas manifestações, todos os fenómenos e todos os seres. A experiência meditativa ou contemplativa contrasta assim com uma experiência do mundo centrada na aparente separação do sujeito ou do “eu”, na qual tudo é percepcionado, interpretado e avaliado segundo os seus medos, expectativas, desejos e aversões, as suas supostas necessidades, os seus gostos, desgostos e apetites de ter, fazer e desfazer. É nesse sentido que tradicionalmente, segundo a chamada filosofia perene, a meditação ou contemplação se considera a suprema e mais eficaz forma de acção, por promover a mais profunda e radical de todas as transformações, a da consciência do sujeito agente, descentrando-o das suas necessidades fictícias e apetites egocêntricos, levando-o ao (re)conhecimento de si como inseparável da ou idêntico à natureza profunda e plena do real e diminuindo e abolindo assim a experiência de separação dos demais seres e do mundo como um todo. Neste processo reintegra-se uma experiência primordial e original e uma consciência não-dualista, integral e holística, uma presença aberta ilimitadamente consciente e bondosa, desvela-se à medida que se dissipa o véu da ilusória percepção de uma cisão, distância e desconexão entre cada um de nós e a natureza profunda de todos os seres e coisas, entre eu e outro, nós e eles, ser humano e mundo, sujeito e objecto. O aprofundamento desta experiência mostra-a como a plena realização de si – no sentido de abandonarmos todas as fantasias acerca de quem somos na tomada de consciência da nossa realidade profunda – e o fim supremo da existência humana , aquilo a que na verdade inconscientemente aspiramos em todos os objectos do desejo (e daí nenhum o saciar)"

~ Paulo Borges, O Coração da Vida. Visão, meditação, transformação integral, pp.21-22.

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