quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A descoberta e a urgência da meditação


A descoberta da meditação pelos ocidentais – enquanto treino da mente para manter uma atenção calma, clara e contínua, com profundos benefícios psicossomáticos, além do desenvolvimento cognitivo-afectivo - é um fenómeno histórico-cultural e civilizacional dos mais relevantes no final do século XX e no início do século XXI. A par da difusão da prática meditativa na população e das várias experiências de sucesso em escolas, empresas, prisões e hospitais, verifica-se um crescente interesse da comunidade científica pela meditação enquanto fonte de conhecimento acerca da relação mente-cérebro e das possibilidades da consciência, como mostram as experiências realizadas no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e noutros lugares, bem como os encontros Mind and Life, promovidos desde 1987 pelo Mind and Life Institute e onde investigadores de vanguarda, particularmente na área das neurociências, têm dialogado com o Dalai Lama e outros representantes de várias tradições.

Numa dessas experiências, juntou-se um grupo de praticantes de meditação no budismo tibetano, com 15 a 40 anos de prática, e um grupo de controlo de estudantes voluntários, com uma semana apenas de prática. Escolheram-se quatro tipos de meditação: 1 – o amor e a compaixão universais e imparciais; 2 – a atenção focada num único objecto, de modo claro, calmo e estável, sem torpor ou agitação mental; 3 – a presença aberta, em que a mente está consciente e atenta, mas sem se focar em nenhum objecto particular; 4 – a visualização de imagens mentais. Enquanto alternavam repetidas vezes períodos neutrais de trinta segundos com períodos de noventa segundos em cada um destes estados meditativos, os praticantes foram submetidos a electro-encefalogramas, que permitem captar alterações na actividade cerebral em milésimos de segundos, e a imagens de ressonância magnética funcional, que localizam com rigor a actividade cerebral. 

Os resultados mostraram espectaculares diferenças entre os praticantes experientes e os noviços, que provam a plasticidade do cérebro e a possibilidade de o transformar e desenvolver mediante a prática regular da meditação. Por exemplo, ao meditar sobre o amor e a compaixão houve um aumento da actividade cerebral de alta-frequência, as chamadas “ondas gama”, “de um tipo nunca antes relatado na literatura científica”, segundo o Professor Richard Davidson. A actividade cerebral concentrou-se também no córtex pré-frontal esquerdo, a sede de emoções positivas, geradoras de bem-estar, como alegria, entusiasmo e altruísmo. Constatou-se também, nos praticantes experientes, a capacidade de regular voluntariamente a actividade mental, concentrando-se exclusivamente numa tarefa sem distracções; a identificação de emoções em rostos que aparecem num ecrã durante um quinto de segundo, sinal de um superior poder de empatia; e a inédita e espantosa neutralização do reflexo do susto, mesmo perante o disparo de uma arma junto do ouvido: uma vez que esse reflexo depende da predisposição para o medo, a raiva e a repugnância, os resultados sugerem “um nível de serenidade emocional impressionante”.

Não admira que o Dalai Lama tenha aberto, em 2005, os trabalhos do Neuroscience, o mais prestigiado congresso de neurocientistas do mundo, em Washington. E que já se fale da meditação como alternativa ao Prozac. Segundo declarações recentes do biólogo Eric Lander, membro do Projecto Genoma Humano: "Não é inconcebível que, dentro de 20 anos, as autoridades americanas de saúde recomendem 60 minutos de exercício mental cinco vezes por semana". A meditação faz hoje parte dos cuidados de saúde e hospitalares, bem como das actividades escolares e empresariais em muitos lugares do mundo, integrando o horário de trabalho de mais de um quarto das maiores empresas norte-americanas.

Há por outro lado no Ocidente a ânsia de uma ética e espiritualidade prática alternativa ao materialismo e niilismo contemporâneos e eficaz no lidar com o sofrimento, os conflitos internos e o sentimento do sem sentido da existência. Sinal dessa busca espiritual é a corrida a livros de autocura, desenvolvimento pessoal e esoterismo, onde, a par de uma minoria de obras credíveis, o público se expõe a todos os riscos da exploração comercial pela nova indústria dos sucedâneos das tradições espirituais autênticas, muitas vezes misturados nos estéreis ou já perigosos cocktails “espirituais” New Age (sem prejuízo das boas intenções que sob este rótulo se conjugam). 

Esta situação torna ainda mais urgente redescobrir a profunda experiência meditativa, veiculada pelas tradições autênticas da humanidade e por aqueles que as renovam mediante uma verdadeira inspiração interior, traduzida numa vida exemplar, desprendida do engodo pelo poder, a fama e a riqueza, critério seguro de autenticidade. Por outro lado, o estado actual da civilização, o agravamento da relação destrutiva da humanidade com a natureza, os seres vivos e consigo mesma, tornam também urgente redescobrir a experiência meditativa. Estamos convictos que a meditação, não religiosa, mas secular, é hoje chamada a estar no centro de um novo paradigma mental, ético e cultural-civilizacional, e de uma nova organização social, política e económica, em que se assuma que a natureza e os seres sencientes, humanos e não-humanos, são inseparáveis de nós, possuem um valor intrínseco e não são meros objectos e recursos a explorar para a (impossível) satisfação da nossa avidez. É que a ausência dessa visão não-dual e holística, que em boa parte reflecte a ausência da experiência meditativa nos decisores mais responsáveis pelo destino do mundo, arrisca-se a precipitar-nos num imenso colapso ecológico-social.



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