O que é o amor,
essa palavra que tão fundo ressoa na mente e no coração humanos e tão
intimamente se associa às maiores aspirações, sonhos, gratificações, medos e
frustrações da humanidade em todos os tempos? Uma possível etimologia é o indo-europeu
“amma”, que designa a expressão da criança que chama pela mãe. Daí pode ter
vindo o latino “amare”, que significa “dar carícias de mãe”. Daqui haver quem
defenda que “amar” se relaciona com “mamar” ou “amamentar”.
As múltiplas modalidades do amor desenvolvem-se
porventura entre estas duas possibilidades extremas: o dom incondicional de si
para o bem do outro, como uma mãe que oferece o seio ao recém-nascido sem
esperar nada em troca, e o apego e sucção voraz da criança no seio materno,
pois disso depende a sua sobrevivência. Entre estas duas experiências, e
combinando-as de modo complexo, se estendem os múltiplos níveis da escala que
Jean-Yves Leloup vê como o “arco-íris” do modo humano de viver a experiência
amorosa. Consoante as suas designações na língua grega, teríamos assim, da
forma mais condicionada à mais livre: 1) porneia,
o amor como apetite devorador; 2) pothos,
o amor como necessidade e carência possessiva; 3) mania, pathé, o amor como
paixão e sedução igualmente possessiva; 4) eros,
o amor vivido como interesse erótico; 5) philia,
o amor amizade, nos seus vários níveis; 6) storgé,
o amor ternura; 7) harmonia, o amor
harmonioso e bondoso, primeiro nível do amor desinteressado; 8) eunoia, o amor como dedicação e
compaixão; 9) charis, o amor como
gratidão e celebração, sem porquê nem para quê; 10) agapé, o amor gratuito e incondicional, na tradição cristã idêntico
a Deus [1],
que não seria tanto um ser que ama, mas o próprio Amor.
Ao longo dos vários níveis desta escala sobe e desce a
vivência humana do amor, quase sempre sem se fixar exclusivamente num deles de
modo exclusivo de todos os outros, o que faz do amor um sentimento tão complexo
e impenetrável aos olhos do próprio sujeito que ama. Cremos, com Jean-Yves
Leloup, que o amor mais puro, livre e incondicional está igualmente presente em
todos os níveis desta escala, assegurando a unidade de todas as formas de o
viver, desde a mera potencialidade na base até à sua plena actualização no
topo, sendo próprio da comum condição humana transitar de uma para outra destas
várias modalidades de amar, conjugando-as por vezes em simultâneo a respeito
dos mesmos objectos, seres e pessoas.
Na verdade, o que queremos dizer quando dizemos: “Amo-te”, essa
declaração paradoxalmente tão tremenda e vulgar? “Estou aqui, completamente
disponível para o teu bem, sem esperar retribuição ou reconhecimento”, ou “Quero
prender-te e devorar-te, física, emocional ou mentalmente, como mero objecto que
satisfaça a minha carência e substituto do seio ou chucha perdidos?”. Ou
“Amo-te” quer dizer um complexo e confuso misto de tudo isso?
Cabe na verdade perguntarmos e sobretudo
perguntar-nos: Amor ou apEgo? Experiência de ser fonte que superabunda e sacia
quem dela beber sem nada exigir em troca ou sensação de fome e sede indigente e
ávida de satisfação, consolo e gratificação, que faz do outro um mero objecto
de consumo? Da resposta e dos níveis de mistura e confusão entre um e outro
depende boa parte do sofrimento humano em todos os tempos e lugares, como por
experiência bem sabemos. Não é verdade?
[1] Cf. Catherine Bensaid e
Jean-Yves Leloup, O Essencial no Amor. As
diferentes faces da experiência amorosa, Petrópolis, Vozes, 2006,
pp.126-128.
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